SUBTIL INFLEXÃO
NA ESTRATÉGIA

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Embora os direitos autorais pertençam a Dom Afonso Nunes, líder da Igreja Tocoísta em Angola, António Mussumari, administrador municipal do Cuilo e membro do Comité Provincial do MPLA da Lunda Norte, tem sido o mais insistente defensor de um III mandato para o Presidente João Lourenço.

Em vários escritos nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, António Mussamo defende, desde 2021, ainda João Lourenço não tinha completado o seu primeiro mandato, uma revisão constitucional que esticasse  para três os mandatos do Presidente da República.

O militante do MPLA atribuiu ao actual Presidente da República um grandioso programa de “reestruturação” do país, impossível de realizar em 10 anos, o período máximo do mandato presidencial.

Em 2021, Mussumari, então director do gabinete de Comunicação e Imagem do Governo da Lunda Norte, defendia uma revisão constitucional que consagrasse três mandatos de cinco anos cada, totalizando 15 anos, ou, em alternativa, dois mandatos de 7 anos cada, perfazendo 14 anos. 

No lançamento do Polo de Desenvolvimento de Saurimo, em Agosto daquele mesmo ano, o próprio João Lourenço disse que 10 anos, período que a Constituição da República de Angola fixa para dois mandatos, são manifestamente insuficientes para concretizar as reformas que prometeu na campanha eleitoral de 2017. 

João Lourenço foi o primeiro presidente da Comissão Constitucional da Assembleia Nacional, que “costurou” a actual Constituição da República. 

A perseverança de António Mussumari na defesa de um terceiro mandato para o Presidente João Lourenço rendeu-lhe a promoção ao cargo de administrador municipal.

Nos primeiros dias desta semana, António Mussumari surpreendeu os seus seguidores ao fazer uma subtil, mas significativa inflexão.

Sob o título O Congresso, o administrador municipal do Cuilo defende não já um terceiro mandato para João Lourenço, mas a permanência dele à testa do MPLA.

António Mussumari diz que o IX congresso do MPLA, previsto para 2026, será o “encontro mais importante dos últimos 30 anos” do partido porque “vai escolher o líder que terá a responsabilidade de conduzir o partido a vencer as eleições em 2027 e preservar as conquistas alcançadas ao longo da nossa história”.

Em implícita alusão às vozes internas discordantes com os rumos que João Lourenço dá ao Partido e, sobretudo, ao País, o fiel e leal militante da Lunda Norte pergunta, angustiado: “Quem ganha com uma provável troca de líder do partido quando estiver a faltar um ano para as eleições gerais?”

E ele aponta o caminho: “Não podemos trocar de líder como se estivéssemos a trocar de camisas. A continuidade do camarada Presidente João Lourenço a frente dos destinos do partido depois do congresso de 2026 é uma certeza absoluta para nossa vitória em 2027”.

É no último parágrafo do texto de António Mussumari que se percebe a inflexão. Pela primeira vez em muitos anos, o incansável pregador das “conquistas alcançadas ao longo da nossa história” escreve, apenas, que “cerrar fileiras em torno do líder é defender a continuidade do Presidente João Lourenço a frente do partido depois 2026”.

Pela primeira vez, desde 2021, António Mussumari não alude à necessidade de um terceiro mandato para o Presidente da República como única e incontornável plataforma para ele realizar as suas promessas eleitorais.

Morrerá cedo quem extrair do escrito de Mussumari a conclusão de que desistiu do terceiro mandato para o seu “amo” porque se conformou, subitamente, com a Constituição da República de Angola.

António Mussumari chegou, tardiamente, à conclusão de que João Lourenço não tem condições, mínimas que sejam, de chegar a um terceiro mandato por “via recta”, ou seja, por via de uma alteração constitucional.

Em 2021, com uma maioria parlamentar de 2/3, João Lourenço poderia ter encaixado a alteração dos mandatos presidenciais na revisão constitucional então feita por sua iniciativa.

Fiado na convicção de que nas eleições de 2022 arrumaria os adversários com inquestionável K.O., “marinou” o projecto da alteração constitucional.

A omissão de Mussumari sobre o terceiro mandato e o apelo ao cerrar de fileiras para “a continuidade do Presidente João Lourenço a frente do partido depois 2026” não significa que um e outro desistiram do seu projecto. Significa, apenas, que João Lourenço, para quem é feito o apelo para o cerrar de fileiras, pretende “barricar-se” no MPLA para através dele contornar os limites constitucionais ou continuar a exercer o poder pela via de uma marioneta. E aqui são potenciais os riscos de conflitos inerentes à bicefalia.

Qualquer dos cenários implicará o regresso, à primeira forma, do artigo do número 1 do artigo 120º dos Estatutos do MPLA, o qual estabelece, agora, que “o Presidente do Partido encabeça a lista de candidatos, pelo círculo nacional, sendo candidato a Presidente da República”.

Impedido, constitucionalmente, de concorrer à Presidência da República, João Lourenço tem, nos termos da alteração estatutária que ele próprio propôs no último congresso do MPLA, de ceder a liderança a outro.