Da Crise de Valores à Crise Económica: A Reforma de Pensamento que se Impõe! (I)

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Por: Maurílio Luiele

A crise económica despoletada em 2014 com a redução do preço do petróleo veio expor a nu as gigantescas fragilidades do nosso sistema de valores, o que conferiu um carácter multidimensional à crise. Isto significa que à dimensão económico-financeira da crise somaram-se rapidamente outras camadas, nomeadamente a crise social, a crise de valores e arrisca-se agora a resvalar para uma crise política de dimensões ainda imprevisíveis.

Destacar aqui a camada dos valores é importante, porque, na nossa década do boom económico que vai de 2003 a 2013, assistiu-se a uma subversão de valores tão grande que é que explica a profundidade e o carácter multidimensional que a crise assumiu e que dificulta a sua reversão.

A reversão da crise deve, portanto, merecer uma abordagem multidimensional, que considera as diferentes camadas que a conformam e, entre elas, a mais difícil de abordar é exactamente a dimensão dos valores. Fala-se muito na moralização da sociedade por meio do combate à corrupção e a impunidade, fala-se inclusive do resgate de valores, mas raramente se menciona quais os valores que se perderam e que precisam ser resgatados. Os grandes desvios morais que distorceram o nosso sistema de valores têm a ver com a honestidade, a probidade, o valor do trabalho e o mérito. É a subversão destes valores que abriu caminho à corrupção endêmica, ao nepotismo despudorado, a bajulação nojenta e a mediocridade generalizada. Sem os freios da honestidade e da probidade, com a meritocracia vilipendiada e o trabalho desvalorizado retiraram-se os códigos de acesso aos cofres públicos e daí para o assalto desenfreado ao erário público foi apenas um passo.

O mais grave neste percurso é que o assalto ao erário, por meia dúzia de eleitos, foi caucionado como “política pública” pelo poder político através da tristemente célebre acumulação primitiva de capital.

A camada dos valores é, portanto, o principal complicador da crise que impede que ela seja resolvida por meio de soluções simplistas que não se revestem do carácter complexo que ela encerra.

A escolha de soluções simplistas em vez da abordagem complexa que se impõe tem muito a ver com o modelo de pensamento hegemónico entre nós, modelo de cunho reducionista, isto é, um modelo de pensamento que isola as diferentes dimensões do fenômeno e que é geralmente falho no que diz respeito à sua contextualização.

Desta feita, o pensamento reducionista apenas concebe soluções simplistas que podem ser até óptimos paliativos, mas que dificilmente conseguem cura definitiva. É como se em vez de extirpar um cancro com cirurgia, quimio ou radioterapia, o médico se limitasse a combater com opiáceos a dor que dele resulta. O doente poderia até encontrar alívio momentâneo, mas a doença continuaria o seu curso inexorável ao exitus letalis.

Maurílio Luiele é Médico, Docente Universitário Deputado à Assembleia Nacional pela UNITA