A impunidade no sector.
Não obstante a formulação cuidadosa de normas legais e procedimentos de adjudicação para a contratação de obras públicas na República de Angola, o comportamento de uma grande parte dos gestores públicos ao longo dos tempos, feito o balanço geral, pode ser dado como censurável e até, em algumas situações, doloso.
O silêncio dos órgãos de controlo e freio que se mostraram frágeis; a impunidade e ausência de probidade nos actos administrativos, agravado pela fraca fiscalização das empreitadas, deram lugar a um conjunto de obras de fraca qualidade e a desperdícios financeiros desmedidos.
Não é por mero acaso que a contratação de obras suportadas pelo erário é regulada por lei. Em função da proveniência impessoal dos fundos para a realização das obras do Estado, da tentativa de obliteração dos processos de adjudicação tornando-os opacos e por vezes fraudulentos, para daí tirar vantagens, até a sua consumação, vai apenas um pequeno passo.
É ponto assente que o sector das obras públicas serviu de veículo fácil para o enriquecimento ilícito, sendo ele uma das manchas mais degradante violadora dos princípios mais elementares da boa conduta, da verticalidade e da lisura em sede da actuação parcimoniosa e responsável que se espera dos gestores públicos.
O sector das obras públicas se apresenta hoje como aquele que mais ilicitudes admitiu, de tal ordem que a esmagadora maioria dos homens e mulheres ricos, que hoje são conotados com enormes fortunas dentro e fora do país, não está capaz de justificar a imaculada proveniência da riqueza que ostenta, sendo simultaneamente acusada de ser a causadora principal do encarecimento das obras, da sua qualidade duvidosa e das derrapagens de todo tipo sofridas no tempo da sua execução e fiscalização.
A culpabilização e responsabilização dos gestores faltosos, que quase nunca aconteceu no passado, não trazem de volta os desperdícios financeiros. Porém, a qualidade técnica, pode ainda ser superada com procedimentos que conduzam a oportunas correcções das deficiências detectadas, tudo feito a expensas do empreiteiro apontado pela fiscalização e sem que ao Estado recaiam outras despesas visando corrigir os males da degradação prematura de que por vezes reclama e a todos comove. Assim aconteceu com estradas, pontes e edifícios de toda índole.

É aqui que surge então a inquietação principal: porquê que os empreiteiros não são chamados a eliminar deficiências ou resolver situações de degradação prematura de obras recentes, se o que está determinado por lei e consta dos contratos é a responsabilização directa do construtor adjudicatário por erros de execução?
Pode ser por desconhecimento, por omissões alinhadas à cumplicidade, sendo o fiscal nomeado a figura principal em falta, quer pela inoperância ou inércia demonstradas.
A incompetência profissional e técnica do fiscal, entretanto, não supera a mais grave das omissões que tem a ver com a forma como as fraudes, a prevaricação e o enriquecimento sem justa causa se viram alegremente acobertados pela impunidade.
A impunidade, pode assim ser dada como a principal geradora de oportunidades escandalosas para o enriquecimento fácil, que não apenas engendrou a matreira subtração em prejuízo da saúde financeira do país, como também multiplicou sobremaneira o número de obstáculos que encravaram o desenvolvimento do sector da construção e obras públicas, atrasando-o na corrida da reconstrução e da dotação do país de boas e duradoiras infraestruturas.
António Venâncio é Engº Civil e Mestre em Ciências Técnicas