“Refrescamento” do Executivo, uma “deceptude” total

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Nos desportos colectivos há uma máxima segundo a qual o capitão da equipa não tem necessariamente de ser o melhor jogador. O capitão coordena, distribui o jogo, decide o seu andamento, é o interlocutor do árbitro, etc.

Isto é também válido para um ministro, para um presidente da República.

João Lourenço, o nosso Presidente da República, é o capitão de uma equipa de que ele não é e não tem necessariamente de ser o melhor jogador.

Não se pode esperar que o PR domine todas as matérias. Não se lhe pode exigir que seja “barra” em matérias tão distintas como Agricultura, Saúde, Tecnologias de Informação, Justiça ou Turismo.

Mas se ao Presidente da República ninguém exige proficiência em tudo, dele se espera, porém, “savoir faire” bastante para se fazer rodear dos melhores entre os melhores quadros do país. Quadros que lhe municiem com boa e comprovada informação. E é isso o que, pelos vistos, os quadros mais próximos do PR não têm sido capazes de lhe proporcionar. O chumbo da Euroclear, noticiado recentemente pelo Maka Angola,  à pretensão do PR de deslocar 2 mil milhões de dólares do Fundo Soberano de Angola (FSDA) para sustentar o Programa de Investimento Integrado nos Municípios (PIIM) é a mais recente prova de que em matéria de assessoria João Lourenço está muito mal rodeado. Ninguém lhe advertiu que movimentar fundos do FSDA não é o mesmo que ir ao balcão de um banco qualquer  levantar uns trocados.

Embora o FSDA seja de Angola, a sua movimentação obedece a regras. Mas pelos vistos nem João Lourenço e nem o seu staff mais próximo têm disso o mínimo conhecimento.

No dia 28 de setembro de 2017 compreendeu-se que o primeiro Executivo de João Lourenço fosse quase totalmente preenchido por indivíduos  que fizeram parte do elenco do seu antecessor, José Eduardo dos Santos. Era absolutamente necessária uma transição tranquila. Sucede, porém, que grande parte dos ministros que atravessaram a “ponte” foram, com o ex-chefe deles à cabeça, os responsáveis pela desgraça em que nos encontramos hoje.

O estado de angústia em que hoje vivemos não se deve, somente, à queda do preço do petróleo. Deve-se, sobretudo, à  má governação, à pilhagem das nossas riquezas e à falta de patriotismo das pessoas que tripularam o barco.

A caminho de completar o segundo ano de mandato, esperava-se que João Lourenço enviasse já à sociedade fortes sinais de ruptura com pessoas que corporizam a corrupção, a roubalheira, a indecência, o boçalismo, etc. Infelizmente, “nada que se vê”.

Depois do último congresso extraordinário do MPLA, em que ele saiu muito fortalecido, uma vez que fez eleger para o Comité Central e Bureau Político militantes que aparentemente lhe são fiéis, esperava-se que João Lourenço fizesse uma profunda limpeza de balneário, afastando os ministros incompetentes, corruptos, arrogantes, etc. Em suma, esperava-se uma remodelação que chamasse para o centro do governo quadros que tenham outra perspectiva de país.

O congresso extraordinário sufocou os “marimbondos” e deu a JL poder e legitimidade suficientes para construir um poderoso “dream team”.

Porém e quando se esperava um forte safanão ao imobilismo que caracteriza o actual Executivo, eis que o Presidente da República sai-nos com aquilo a que ele próprio chamou “ligeiro refrescamento”.  

Antes de mais, impõe-se a desmistificação daquilo que o PR chama de refrescamento.

No desporto, por exemplo, há refrescamento quando o treinador vai ao banco de suplentes buscar jogadores frescos, para substituir aqueles que  baixaram de rendimento por cansaço, por lesão ou por outra razão qualquer. Com João Lourenço não há refrescamento nenhum. Quando “refrescamento” significa criar mais um ministério de Estado para contemplar Carolina Cerqueira, ou mudar a designação do ministério de Estado de Manuel Júnior, ou, ainda, substituir os titulares pelos seus secretários de Estado então estamos conversados. Não se pode falar em refrescamento porque as entidades que agora foram promovidas estão tão cansadas, exauridas quanto as pessoas que foram substituir. Afinal, o secretário de Estado está em campo com o titular, o ministro. 

João Lourenço, é preciso dizê-lo, partilha o mesmo “código genético” com o seu antecessor: os seus olhos só alcançam a árvore e nunca a floresta.  A árvore que enxergam é aquele reduzido núcleo de homens em torno dos quais giram todas as nomeações e exonerações, num exercício permanente de troca de cadeira.

Tal como o seu antecessor, João Lourenço dá sinais de que não enxerga a floresta. E a floresta são os milhares de quadros que o próprio MPLA reclama ter.

Em dezembro de 2016, quando se apresentou no estádio 11 de novembro como candidato do MPLA à eleição presidencial, João Lourenço disse alto e bom som que o seu partido reunia a nata dos quadros angolanos. Ora, se assim é, por que razão João Lourenço não alarga o seu campo de escolha no seio do próprio MPLA? Por que razão este país tem de continuar amarrado às mesmas pessoas? 

Ao Presidente João Lourenço não se impõe que tenha também olhos para a sociedade civil – onde poderia encontrar muitas e boas soluções. Se o seu entendimento é que deve governar somente com militantes da sua família política que o faça, mas que escolha os melhores. “Esses aí” com quem trabalha jamais o ajudarão a tirar o país do abismo.

É um equívoco pensar que é possível transformar o país trabalhando com as mesmas pessoas – a maior parte das quais continua fiel ao anterior líder. É que do Executivo anterior João Lourenço não aproveitou apenas o “filé mignon”, parte, aliás, rara, mas também os ossos, os músculos e as gorduras menos recomendáveis. Além de ministros, João Lourenço foi buscar ao anterior Governo a maior parte dos seus actuais assessores e consultores. Por isso é que a roda gira, gira, mas o carro pilotado pelo Presidente da República não sai do lugar.

Enquanto tiver por “compagnons de route” gente do passado, João Lourenço não se livrará de embaraços como o que lhe foi criado pelo Euroclear.

Mas se é em companhia dessa gente que ele se sente melhor, o caminho está aí, livre. Afinal, ele é que será escrutinado em 2022. Quem corre por gosto…

Odorico Pagarguaçu, o personagem do falecido actor brasileiro Gracindo Júnior qualificaria o “refrescamento” que o Presidente João Lourenço acredita ter feito ao seu Executivo como uma verdadeira “deceptude”.