Destruir o covil de ladrões

289

O oficioso Jornal de Angola noticiou a semana passada que a Procuradoria Geral da República já remeteu ao Tribunal Supremo processos-crime envolvendo os deputados Manuel Rabelais e Higino Carneiro.

Higino Carneiro, antigo governador de Luanda, é arguido num processo em que é acusado  da prática de vários crimes, nomeadamente, peculato, abuso de poder, branqueamento de capitais e violação de normais de execução orçamental.

Sobre Manuel Rabelais, antigo director do Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional (GRECIMA) pesa a suspeita de gestão danosa de bens públicos.

Por ambos serem deputados, Higino Carneiro e Manuel Rabelais só irão a julgamento, na Câmara Criminal do Tribunal Supremo, se a Assembleia Nacional levantar as imunidades de que estão cobertos.

O putativo julgamento de Higino Carneiro e Manuel Rabelais coloca a Assembleia Nacional e o Tribunal Supremo perante uma boa oportunidade de estabelecerem um pacto que leve à completa “desinfestação” do Parlamento angolano, uma instituição que, como é sábado, foi transformada em porão onde se acoitam os indivíduos que pisaram o risco vermelho na gestão da coisa pública. Desinfestação entendida como expurgar a Assembleia Nacional de todos os indivíduos que conspurcam a nobre casa.

Deveriam ser alvos dessa limpeza, feita com bastante esfregão e potassa, criaturas como o ex-governador da Huíla, João Marcelino Tyipinge. Demitido do cargo, depois de haver confessado espontaneamente o desvio de avultadas somas de dinheiro público para contas privadas, ele foi refugiar-se na Assembleia Nacional, espaço onde são acolhidos, de braços abertos, contraventores e semelhantes. Como o ex-governador da Huíla, há outros deputados que tomam o nosso Parlamento como um santuário da impunidade. São indivíduos que têm algo a dizer ao país sobre como usaram fundos que era suposto serem de todos os angolanos. Tal  é o caso, por exemplo, de Joaquim David, de quem se exigem explicações sobre a origem do dinheiro com que reabilitou algumas fábricas têxteis do país.  Para Manuel Vicente, a Assembleia Nacional também  pode constituir um escudo para escapar a um possível julgamento sobre o seu papel – e o do seu enteado – na roubalheira em que se traduziu uma negociata envolvendo a Sonangol, a Sonair e a TAP. Nos primeiros dias de Agosto, em artigos seguidos, Rafael Marques demonstrou, minuciosamente, como Pedro Mutinde transformou a província do Kuando Kubango num pasto para si e para os seus. Sob a sua gestão, dinheiro público desembarcava nos bolsos de filhos, colaboradores e amigos de Mutinde sem a menor cerimónia. Mutinde foi exonerado em Julho, mas o seu lugar na Assembleia Nacional está garantido.


Quando for dado por terminado o  tortuoso consulado de Gonçalves Muandumba no Moxico, reentrará triunfalmente no forte onde se escondem, alegre e impunemente, criaturas que, em países decentes estariam recolhidos em presídios de máxima segurança para não contaminarem  os cidadãos de boa estirpe

Com a fama de haver pilhado desalmadamente Cabinda, a ex-governadora, Aldina da Lomba foi recebida no Parlamento quase como uma heroína. Nunca se sentiu incomodada pela “brilhante” folha de serviço que deixou em Cabinda. Outro também que entrou pela porta de frente é o ex-governador do Kwanza Sul. Ele deixou atrás de si um arrepiante rasto de cabritismo, o qual colocou, rotineiramente, em lado extremos da mesma mesa o governador Eusébio Teixeira a negociar com o empresário Eusébio Teixeira.  Por exemplo,  em Maio de 2014, o General Eusébio Teixeira escreveu “à Sua Ex.ª Senhor Governador Provincial do Cuanza Sul” a quem, depois de comunicar o desejo de legalizar uma parcela de terra com 48 847 m2 para construção de um condomínio na área dos Ex-Carvalhos, solicita  “ a Sua Ex.ª Senhor Governador que se digne mandar passar a referida autorização”. A autorização solicitada foi diferida no mesmo instante.

Apesar da enorme farra que os seus mais directos colaboradores fazem neste momento com dinheiro público, algo que vem sendo sustentadamente documentado por uma ONG local, o governador do Moxico, Gonçalves Mandumba, não deve ter o seu lugar ameaçado na Assembleia Nacional. Quando for dada por terminado o seu tortuoso consulado no Moxico, reentrará triunfalmente no forte onde se escondem, alegre e impunemente, criaturas que, em países decentes estariam recolhidos em presídios de máxima segurança para não contaminarem  os cidadãos de boa estirpe.

****

Em Junho de 2013, numa rara entrevista à estação televisiva lusa SIC Notícias, o ex-Presidente da República disse que gostaria de ser recordado pelos angolanos como um grande patriota.

Em Agosto de 2019, seis anos depois, imagens que circulam nas redes sociais mostram o ex-Presidente da República passeando-se descontraidamente algures numa localidade espanhola, para onde se auto-exilou desde Abril.

Num passeio em que está  cercado por um bando de ‘tontons macoutes”, que inclui até uma cidadã de tez clara, uma inovação do exílio espanhol, a José Eduardo dos Santos já não deverá interessar muito o modo como deseja ser lembrado pelos angolanos.

Se ao ex-Presidente incomodasse mesmo a forma como os angolanos o querem ver na história, a esta hora não estaria a passear-se num país estrangeiro; estaria em Angola, a partilhar com o seu povo um dos momentos mais azedos da sua história.

A actual cruzada contra a corrupção e impunidade, corajosamente assumida por João Lourenço, é indissociável do papel de José Eduardo dos Santos na história de Angola. Todos os altos dignitários acossados actualmente pela justiça endossam os desmandos de que são acusados a ordens ou orientações emanadas de José Eduardo dos Santos. Um patriota que se preze não daria às de vila Diogo no exacto momento em que o País mais necessita da sua presença física para, como diz a Procuradoria Geral da República, “o bem da descoberta da verdade material”.

A ausência de José Eduardo dos Santos do país pode levar a que, eventualmente, inocentes sejam condenados e culpados sejam inocentados.

Não deixando escapar qualquer indício de pretender regressar ao país para ajudar a realização da justiça, José Eduardo dos Santos está muito mais distante da imagem de um patriota e mais próximo da imagem de um fora da lei.

Nas mais terríveis provações é que os grandes líderes dão à costa, oferecendo o peito às balas pelos seus. Com o seu dourado exílio em Espanha (uma vergonha para Angola e para África), completamente indiferente  à sorte de quem se serviu por anos a fio, José Eduardo dos Santos destapa a sua máscara de líder de araque. Aliás, todos os angolanos já deveriam saber que José Eduardo dos Santos nunca foi homem de correr risco por outros. Nos muitos anos de guerra contra a UNITA, e mesmo quando esta quase ocupou 70% do território nacional, JES nunca pôs os pés numa frente de batalha para dar alento aos militares que se batiam pela causa do Governo, não obstante a sua condição de chefe supremo das FAA.