Insulto e desdém

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No sábado passado, 29, José Sócrates, antigo primeiro ministro de Portugal, publicou  no semanário Expresso um texto no qual dizia que o seu  país “vive a era da normalização do abuso institucional”.

Angola passou por situação análoga no tempo de José Eduardo dos Santos e dos seus filhos. 

O badalado casamento da filha do presidente da Assembleia Nacional mostrou que apesar da dita mudança de “paradigma”, há pessoas, com elevadas responsabilidades  políticas, que alimentam o insulto avulso e o desdém aos angolanos menos afortunados materialmente.

Se da noiva não há nada a dizer, já do pai  não há como ficar calado.

Em 44 anos de independência, Angola nunca passou por momentos tão difíceis do ponto de vista económico e social quanto os actuais. Neste momento, Angola vive aquilo a que se chama a tempestade perfeita, ou  seja, a combinação de várias adversidades: à profunda crise económica, provocada não apenas pela queda do preço do petróleo, junta-se a seca, que está a dizimar pessoas e animais no sul de país. 

É num contexto  destes, que Fernando da Piedade, a terceira figura do Estado, decidiu dar ao país uma manifestação ostensiva de desdém para com aqueles que vivem  diretamente na carne os  efeitos da crise económica e social.

Uma obscenidade apadrinhada pelo Presidente da República

 Mas aquilo que foi antecipado nas redes sociais como o casamento do século  não teve nada de elevação ou elegância moral. Pelo contrário,  aquilo foi uma degradante manifestação de mau gosto, insensibilidade, obscenidade e, sobretudo, de  boçalismo, um comportamento a que  poucos novos-ricos do terceiro mundo resistem. Mesmo nos seus piores deslizes,  José Eduardo dos  e seus rebentos não ousariam ir tão longe. Nandó não chegou a PR, mas conseguiu suplantar JES. É um feito e tanto!

À mulher de César não só era exigido que fosse honesta, como ela própria tinha que parecer que era honesta. 

Aos nossos políticos se não forem genuinamente cordatos, pelo menos que finjam que o são. Festanças como a de sábado não ajudam. Ferem a moral pública. 

Já agora não é má ideia por fim ao uso de espaços públicos para eventos dessa natureza.

É pena que o Presidente da República tenha ido prestigiar tão obsceno acto.  Apesar das relações familiares, João Lourenço deveria ter poupado aos angolanos a ideia de que o seu presidente apadrinha a ostentação insultuosa ao país. 

No seu Twiter, o activista Luaty Beirão escreveu que “Enquanto os sinais exteriores de riqueza não  forem alvo de indagação e inquérito, estes indivíduos nunca vão sentir necessidade de ser discretos”. 

Fernando da Piedade pode alegar que os recursos com que alimentou o insulto e o desdém aos angolanos são provenientes da sua propriedade agrícola no Kikuxi e de outras fontes de rendimento.

Mas a licitude dos recursos não é necessariamente conflitante com a discrição e o bom senso. Actos de ostentação como o do casamento da filha do Presidente da Assembleia Nacional ajudam os angolanos a perceber por que a comunidade internacional vira as costas a Angola quando os seus governantes calcorreiam o mundo implorando dinheiro e investimentos.