João Lourenço sente o seu poder e a sua afirmação política de certo modo ameaçados pelos “eduardistas”, entre as quais a considerada “patroa” da UNITEL, Isabel dos Santos, e decidiu ter também a “sua” empresa de telecomunicações para não estar à mercê de uma felina adversária que “passa a vida” a criticar-lhe a governação. Mas Coutinho Nobre Miguel nega intenção do Banco Sol de adquirir a Movicel, ao passo que o deputado Adriano Botelho de Vasconcelos disse ter tentado a compra da empresa a título individual, mas não foi bem-sucedido.
O MPLA, por intermédio do seu camuflado braço financeiro, o Banco Sol, onde o presidente João Lourenço era acionista, pretende adquirir parte substancial das acções da operadora de telefonia móvel celular, MOVICEL. Para já, vai comprar os 25% das acções detidas por uma empresa de José Filomeno dos Santos “Zenu”. Depois, tentará adquirir mais 50%, a fim atingir posição maioritária na empresa para fazer face à concorrente UNITEL, onde a principal figura é Isabel dos Santos.
A informação foi dada por fonte da companhia, entretanto, desmentida ao Correio Angolense pelo PCA do Banco Sol, Coutinho Nobre Miguel. “Para já, não temos nenhuma pretensão de comprar acções na MOVICEL ou noutra empresa qualquer”, disse o “patrão” do banco em conversa telefónica com este jornal. De acordo com a nossa fonte, porém, o contrato de cedência da posição acionista por parte da empresa de “Zenu” pode ser assinado proximamente, depois de longas negociações que têm à cabeça os deputados do MPLA Adriano Botelho de Vasconcelos (ABV) e Nuno Carnaval, embora ambos sejam leigos em matéria de telecomunicações. O primeiro, um dos que mais se bateu pela saída de JES da liderança do partido, foi colocado à frente das negociações por João Lourenço, de quem é muito próximo, desde o tempo das FAPLA.
Fazendo fé na nossa fonte, ABV, também conhecido por “Kimbemba”, lidera uma comissão negocial que se desdobra em duplos movimentos tanto para tratar com o representante de “Zenu” como para negociar com Coutinho Nobre Miguel. As negociações arrastam-se porque João Lourenço instruiu os intermediários a regatearem ao máximo qualquer preço que a contraparte proponha para discussão inicial, uma vez que as acções foram parar às mãos de “Zenu” sem que ele gastasse um único tostão do seu bolso. Ou seja, sabendo que as acções foram dadas à empresa do filho varão de JES no âmbito do “cabritismo”, João Lourenço quer pagar o mínimo possível.
Na segunda fase do plano, os negociadores vão avançar para a abordagem de outros sócios, um dos quais António Paulo Kassoma, um indefectível de José Eduardo dos Santos. O objectivo é deter 75% de acções da MOVICEL por intermédio do Banco Sol, que, não por acaso, foi uma “criação” de José Eduardo dos Santos para acomodar gente de sua confiança, entre os quais o próprio João Lourenço, e para pagar antigos favores a Sebastião Lavrador, um velho amigo que na meninice e na mocidade lhe foi de extrema serventia. A gratidão de JES a Sebastião Lavrador contemplou, ainda, a sua nomeação, em duas ocasiões, para o posto de governador do Banco Nacional de Angola.
Lavrador dirigiu o BNA entre 1990 e 1992 e depois entre 1996 e 1999.
A aquisição da MOVICEL faz parte de um amplo plano de João Lourenço a fim de tomar conta das telecomunicações. E o substituto de JES sabe que deixar a liderança das telecomunicações nas mãos de Isabel dos Santos – a sua mais felina opositora neste momento – é um sério risco ao seu poder. Com isso pretende fortalecer a sua liderança, alvo de fortes contestações de “marimbondos”, o mesmo que dizer “eduardistas”. JLo entende que a próxima “batalha” a travar com o seu antecessor é a das telecomunicações, factor primordial da economia.
A pretensão de João Lourenço de ter nas mãos as telecomunicações do país não é propriamente nova. Por ocasião do anúncio do concurso para a concessão de licença ao quarto operador (já existem Angola Telecom, UNITEL e MOVICEL), incentivou a multinacional MTN a concorrer. Mas, tendo sido informado àquela multinacional que só lhe seria indicado o parceiro nacional após vencer o concurso, o gigante africano de telecomunicações bateu com a porta. Sentiu que não havia transparência na forma como estava a ser gizado o negócio. Perdida a “batalha da MTN”, João Lourenço faz agora nova investida, desta feita na MOVICEL.
Contactado pelo Correio Angolense, ABV refutou que tivesse sido mandatado pelo presidente do MPLA ou por quem quer que seja para adquirir a companhia de telefonia móvel celular. “De facto, tentei junto da MOCIVEL comprar algumas acções, mas não fui bem-sucedido porque as propostas recebidas eram de valores estratosféricos para uma empresa que perdeu quase todo o seu valor de mercado. Se o resultado fosse outro, eu recorreria a um sindicado de bancos para financiar a operação. Mas infelizmente não foi, provavelmente porque terão recebido proposta melhor, nomeadamente da Vodafone. Fiz essa tentativa a título individual e como empreendedor, algo que não é incompatível com a minha condição de deputado”. Quanto ao papel do deputado Nuno Carnaval, ABV esclareceu que ele não esteve envolvido em qualquer negociação. “Somos vistos frequentemente juntos porque somos amigos. É um amigo que frequenta a minha casa e vice-versa.
Se concretizada, a aquisição da MOVICEL por pessoas do círculo de João Lourenço tal representará um violento golpe a Isabel dos Santos – mais do que a outros accionistas da UNITEL, nomeadamente Sonangol e o Grupo Geni. Isabel dos Santos gosta de monopólios. Aliás, quando foi lançado o concurso para a quarta operadora, ela rosnou no Instagram que Angola teria operadoras telefónicas a mais.
Acabar com a “presença” dele no quotidiano dos angolanos é o mesmo que JES fez em relação ao seu antecessor, Agostinho Neto, praticamente riscado do mapa desde o congresso extraordinário do MPLA, em 1985.