“Estamos quase a regressar ao crescimento”

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Archer Mangueira na passagem de pastas

Não é líquido que todos os governantes exonerados no decreto presidencial de 8 de Outubro último tenham feito as respectivas passagens de pasta aos substitutos porque não é uma prática comum na nossa governação. Durante muito tempo o comum era o substituído deixar o substituto às escuras, mesmo sendo da mesma família política. Mais: também não era inaudito o novo “inquilino, fosse de ministério ou de uma grande empresa, mandar “desinfestar” a sala de trabalho, recorrendo algumas vezes a kimbandas vindos da margem Norte do Rio Congo.

Mas, ao que tudo indica, a normalidade administrativa tende a instalar-se, como aconteceu quarta-fekira última, 9, com Archer Mangueira na hora da despedida do Ministério das Finanças, onde esteve os últimos três anos. Ao contrário do que sucede com muitos governantes, que quando exonerados simplesmente batem com a porta e isolam-se em casa a carpir lágrimas, o anterior ministro das Finanças mandou organizar uma cerimónia de passagem de pastas (ou pasta?), com a presença de vários funcionários, como manda o figurino.

Sempre bem-disposto, apesar de ter baixado de importância, se comparado os dois cargos, durante a cerimónia proferiu um discurso em que cobriu de elogios a sua substituta, Vera Sousa, com quem trabalhara antes na Comissão de Mercado de Capitais (CMC). “Dra. Vera Daves de Sousa emprestou toda a sua extraordinária competência e elevadíssima dedicação à concretização da missão dos organismos que ambos integrámos”, disse à nova ministra das Finanças, antes de confessar que, ao discursar, estava “muito mais guiado pelo coração do que pela razão”.

Archer Mangueira disse ser “com muito mais gosto também” que via Vera Sousa substituir-lhe como Ministra das Finanças, depois de tê-lo feito já em 2016 no cargo de presidente do Conselho de Administração da CMC. Por isso, desejou-a “toda a felicidade no desempenho destas muito nobres, mas também muito difíceis funções que o País te confiou.” 

Agora governador do Namibe, o economista recordou ter entrado no Ministério da Finanças em Setembro de 2016, na sua opinião o memento em que o furacão que se gerou com a crise que começou no último trimestre de 2014 atingiu a sua energia máxima. “Um par de meses depois de ter iniciado funções, vejo-me perante a impossibilidade, por falta de recursos financeiros, de pagar o salário de Dezembro dos funcionários públicos e o subsídio a ele associado, antes do Natal. Isto nunca tinha acontecido antes no nosso País”, relembra para depois acrescentar que “três meses depois de ter iniciado funções, ou seja, em Dezembro de 2016, a inflação anual atinge um valor que ultrapassa os 40%”.

Embora considerando que o memento não era para detalhar historicamente os três anos de funções, Archer Mangueira revelou que “apesar da situação difícil que o nosso País vive hoje e de todos os sacrifícios que os nossos compatriotas têm suportado, tenho que dizer que muito se fez”, apontando como exemplo “a Estratégia Para a Saída da Crise, o Plano de Estabilização Macroeconómica, o Acordo de Financiamento Ampliado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou os acordos de crédito com o Banco Mundial. Poderia referir ainda muitas outras iniciativas e medidas que fomos capazes de desenhar e concretizar”. 

Depois de deixar de olhar para o retrovisor, o anterior ministro das Finanças refere que “hoje temos uma inflação que é menos de metade da que registámos em 2016. Estamos a anular os défices das contas internas e externas. Estamos quase a regressar ao crescimento”, sem deixar de reconhecer que há ainda “problemas com o desemprego, a perda do poder de compra da nossa população ou as fortes preocupações que temos com a dívida”.

“Podemos usar a imagem de alguém que é atingido por uma doença muito grave e tem que suportar os inconvenientes de um tratamento muito agressivo. Uns tempos depois do início do tratamento, terá recordações penosas e apresentará muitas queixas”, disse para explicar os contornos da crise económica, e financeira e cambial que o país vive desde finais de 2014. E acrescentou: “Mas será certamente uma grande bênção se, tempo depois, poder dizer o seguinte: estou vivo; caminho no sentido da cura; o pior já passou; vejo-me com uma perspectiva de me reerguer e de voltar a florescer”, antes de concluir que “é assim que nos sentimos, é assim que estão as nossas finanças públicas, depois deste percurso, que foi muito doloroso, entre 2015 e 2019”.

Archer Mangueira agradeceu “todo o apoio” assim como “todo o grande esforço, todo o conhecimento e todas as aptidões” dos quadros do Ministério das Finanças, agradecimento que estendeu também e muito especialmente aos colegas que com ele integraram a Equipa Económica e aos colegas Ministros dos vários sectores do Executivo. “Foi um prazer servir o País em conjunto convosco”, sintetizou para depois endereçar “um agradecimento muito especial ao Senhor Presidente da República, Dr. João Manuel Gonçalves Lourenço (…) pela confiança, por toda a orientação, por todo o estímulo, por toda a paciência”. 

E não encerrou o discurso sem antes fazer uma espécie de acto de contrição – muito raro entre os políticos, que pensam que tudo e mais alguma coisa sabem – pedindo perdão por eventuais erros.  “Peço desculpas e agradeço também às vossas famílias, às vossas filhas e aos vossos filhos, às esposas e aos esposos, às vossas mães, aos vossos pais e aos vossos irmãos. Peço desculpas a todos aqueles que muitas vezes se ficaram privados do vosso cuidado e da vossa companhia, porque eu e o Ministério das Finanças requeremos o vosso grande esforço e a vossa grande atenção”.