Dinheiro não é solução para tudo

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Numa extensa entrevista ao Correio Angolense, o governador de Luanda, Luther Rescova, cuja primeira parte publicamos hoje, defende que dinheiro seja panaceia para todos os problemas que afligem a capital do país. Diz que em tempos de bonança Luanda já teve muitos recursos e nem por isso viu resolvidos os seus principais problemas

Aos 38 anos,  Luther Rescova tornou-se no mais novo governador de Luanda do pôs-independência.

Contrariando a ladainha da maior parte dos seus antecessores e de colegas de outras províncias, Rescova diz que dinheiro não é chave para todos os problemas.

Nesta entrevista ao Correio Angolense, ele defende que “o problema de Luanda não se resolve apenas com o governador e pensar nos recursos financeiros. Pensar assim é perpetuar  os problemas em Luanda. A solução está no engajamento de  toda a comunidade. A nós enquanto governantes incube-nos a missão  de criar  uma equipa no âmbito da responsabilidade governamental e essa equipa conseguir fazer a ponte necessária com os parceiros sociais e o próprio cidadão e assim chega-se lá mais facilmente. Nem sempre as dificuldades estão nos recursos, porque essa dificuldade nos recursos ela vai existindo de modo digamos intercalado com as disponibilidades do país, mas quanto mais formos assertivos em fazer coisas com poucos recursos ou engajando os próprios cidadãos nós vamos ter alguns resultados mais positivos.

Aliás, já houve momentos de muitos recursos, mas  as respostas não foram as melhores. Em resumo, nem sempre a existência de orçamentos grandes e disponibilidades grandes são solução. A solução é o trabalho colectivo.

Correio Angolense – Governador nesses 10 meses que e está à testa de Luanda já fez seguramente um levantamento das situações mais críticas que a província vive. Como pensa resolver essas situações e por onde vai começar ou começou?

Luther Rescova (LR) – A nossa grande vantagem é que os grandes problemas de Luanda já andam diagnosticados e se sempre que mudarmos de governador tivermos que começar nos diagnósticos perderemos muito tempo.  Desde já nós identificamos a questão relacionada com as infra-estruturas, como o cancro de Luanda tendo em conta a sua densidade populacional e as perspectivas de crescimento da população já  que Luanda continua a ser o local de maior afluência dos cidadãos de todo o país. Com isto quero dizer que quanto mais crescemos em termos populacionais devíamos crescer em termos de infra-estruturas no seu todo. Em concreto preocupam-nos as questões relacionadas com a macro-drenagem das águas residuais publicas e fluviais e o saneamento básico; é uma abordagem mais integrada, que vai desde as valas de drenagem, a questão do tratamento das águas residuais e relacionadas com a própria limpeza urbana. Preocupam-nos também  os aspectos do meio-ambiente  para garantirmos maior saúde através do tratamento do saneamento básico. Temos a seguir  a questão relacionada com as vias, principalmente as vias secundárias e terciárias que é uma prioridade inadiável. O ideal seria que fossemos capazes de aumentar anualmente as vias secundárias e terciárias  por  forma a irmos  desafogando as vias principais que causam o transito caótico de que Luanda. Aqui é que é necessária uma melhor planificação de verbas, uma planificação mais ajustada porque todas as vias secundárias e terciárias em Luanda  precisam de intervenção, mas não podemos enganar o cidadão afirmando que vamos fazer tudo ao mesmo tempo. Não temos essa capacidade. Daí que é necessária uma programação que  mostre que se está cumprir de forma sustentável e não fazer por fazer. Neste aspecto é necessária uma programação  que  priorize  acima de tudo  aquelas vias secundárias e terciárias que são prioritárias e que ligam bairros com muita  população ao nível de Luanda.

CA – O que pretende fazer naquela via que liga a Camama  a  Calemba II?

LR – Essa é uma via que está entre as nossas prioridades, mas não olhamos apenas para  ela. Temos  outras vias que  carecem de intervenção. Estamos a falar de outra. Temos  casos preocupantes em Viana,  no Kilamba Kiaxi,  Cacuaco.  Temos outras vias que são muito estruturantes em termos universais. Cada município, cada distrito urbano tem pelo menos 3 ou 4 vias estruturantes e muitas delas interligadas e uma vez abordadas serão efectivamente mais eficazes . Todas elas fazem  parte do nosso plano. A aprovação  do OGE revisto em Janeiro  combinado com mais algumas questões incluídas no Programa Integrado de Intervenção nos Municípios certamente nos darão algum fôlego para enfrentarmos essas necessidades. Mas no âmbito das infra-estrtuturas as nossas preocupações  não  se esgotam aqui. Há outras prioridades. Refiro-me, nomeadamente, à iluminação pública, que é um dos factores que mais contribui para o aumento da criminalidade em Luanda. Temos  vindo a melhorar a iluminação  nas principais vias de Luanda e só depois entraremos nos bairros. Em Janeiro quando aqui chegamos  Luanda tinha um défice de iluminação pública nas  principais vias da ordem de  não menos de 80%. Isto é, apenas cerca de 20% da cidade estava iluminada a nível das suas principais vias; tínhamos a via expressa toda às escuras, as vias principais todas escuras. Hoje a situação melhorou significativamente. Com o apoio da própria ENDE estamos a repor a iluminação pública de forma gradual.

CA – A iluminação dos bairros periféricos não deveria ser a mãe de todas as prioridades uma vez que a escuridão  protege a criminalidade? 

LR –   Sim nós pretendemos abordar de forma geral o problema da iluminação, mas estamos a começar  pelas  vias principais e depois nos bairros. Porquê é que preferimos assim? Porque o período nocturno é um período muito intenso. Há vida académica e laboral de noite. Há quem vive nos bairros, mas estuda ou trabalha na cidade. Portanto, essas pessoas têm de sentir-se seguras nas principais vias. 

 Chegaremos a todos os bairros. A actuação nos bairros será diferente. Temos, por exemplo, propostas por parte de algumas instituições que defendem o aumento da iluminação pública nos bairros com recurso à energia renovável, sobretudo a energia solar; é um estudo em curso. Também podemos aproveitar os meios de transporte de energia nos bairros, mas que não é iluminação pública, uma vez que já há lá postes. 

Em relação às prioridades se me permite acrescentar, a pergunta vai no sentido de se saber os principais problemas que nós identificamos, neste momento o que mais nos preocupa como governo provincial é a distribuição da água potável e não só do ponto de vista da quantidade que começa a chegar muito menos nas torneiras mas também a própria qualidade e a esse respeito não é justificar nada, mas Luanda é das poucas províncias que não tem uma direcção provincial de energia e águas  porque o que temos é um aperfeiçoamento que exige um maior trabalho de colaboração institucional entre a EPAL e o governo provincial de Luanda. Mas a solução da energia e água em Luanda nos termos em que o Ministério da Energia e Águas tem estado a pôr a questão passa pelo aumento da produção. Nesse momento Luanda tem uma estimativa de pouco mais de 1 milhão e 200.000 m3 de água, como necessidade e está a se produzir pouco mais de metade, 500 e tal mil, certamente esse défice causa esse constrangimento que temos e também o governo provincial preferiu estabelecer prioridades nesse sentido. Como é uma situação muito latente e problemática e que vai conhecer as suas soluções nós estamos a trabalhar num modelo que permita que pelo menos nas unidades sanitárias não falte água. Todos precisamos. Tudo é prioritário, mas no sector da saúde a água é um factor indispensável e com a EPAL o problema está a ser abordado para encontrarmos soluções de reforçar a distribuição pela via da canalização. Mas há unidades hospitalares nos bairros que estão em locais onde  tem água canalizada com recurso a cisternas. Não podemos ter vergonha de dizer que esta é a nossa realidade e essa é a realidade que queremos transformar. O certo é que ainda há um défice na distribuição de água potável para a população.

Nós assumimos o governo da província de Luanda em Janeiro e como pode imaginar tendo em conta o final da época festiva e não só herdamos uma cidade que não estava limpa; o lixo está no centro das nossas preocupações; hoje ainda não podemos sequer falar que já se resolveu o problema, mas temos a satisfação de notar que a nossa cidade conhece dias melhores em relação à limpeza.

CA – E quanto ao lixo, quê cartas o governador de Luanda tem na manga? 

LR Nós assumimos o governo da província de Luanda em Janeiro e como pode imaginar tendo em conta o final da época festiva e não só herdamos uma cidade que não estava limpa; o lixo está no centro das nossas preocupações; hoje ainda não podemos sequer falar que já se resolveu o problema, mas temos a satisfação de notar que a nossa cidade conhece dias melhores em relação à limpeza. Qual é a abordagem que estamos a fazer ao problema? Reforçar o nível de intervenção das operadoras que fazem o trabalho de limpeza e aumentamos ao nosso nível de governo provincial a fiscalização a essas empresas  porque essas empresas estão a fazer o seu trabalho na base da contratação. O principal fiscal deve ser próprio cidadão; é o cidadão que vê, e nós recolhemos esse sentimento para depois fazer chegar às operadoras por municípios. Por outro lado, o governo da província de Luanda reforçou a sua acção fiscalizadora em relação à actuação dessas empresas e isso tem resultado em algumas questões positivas. Outro nível de abordagem do problema – e para nós é também fundamental – é a educação da população porque a abordagem do lixo está ligada a questões de saúde e se é verdade que alguém tem que limpar é porque alguém suja e o problema não está em sujar, está na forma como nós próprios como cidadãos abordamos a questão do lixo. Por isso é que temos imagens – e não são poucas – com contentores vazios com lixo no chão. Aí, além da responsabilidade que o governo e as operadoras têm, há também que apelar um pouco para a correta forma de actuar dos cidadãos em relação ao lixo. Eu em minha casa  sei que o contentor do lixo que está à minha porta  serve exactamente para isso: para acolher o lixo. Não faz sentido colocar o lixo no chão ou perto do contentor. No caso de Luanda surpreendemos diversas vezes adultos a colocarem o lixo no chão, mesmo quando têm o contentor ali à sua mão de semear.  O outro problema do lixo é que nós temos de aumentar ao máximo a intervenção do Estado nesse sector; as administrações municipais têm que ter um papel mais activo na limpeza propriamente dita para que cada vez menos nós tenhamos uma espécie de dependência por parte dos operadores. Neste caso, penso que devemos fortalecer a ELISAL  para garantir maior intervenção do Estado no sector de limpeza porque as vezes temos acções que são específicas e que nós temos de dar resposta e isso não cabe as empresas que são contratadas. Outra questão tem a ver com a necessidade de olharmos para o lixo não como um problema, mas como uma fonte de receita. Em toda parte do mundo acontece isso, mas o Estado aqui gasta mais do que ganha. Nós podemos inverter esse quadro, ou pelo menos atenuar fazendo com que as boas práticas existentes a nível mundial que dão retorno ao Estado possam ser aproveitadas. Como se faz noutros países, podemos  desde já fazer o aproveitamento do próprio lixo para a produção de energia, aproveitamento do lixo para a produção de artigos de apoio ao sector agrícola como fertilizantes, e também a reciclagem porque hoje a indústria da reciclagem desde o esferovite ao cartão de papel e não só são dos sectores mais atractivos no mundo porque todas as industrias convencionais fazem recurso a alguma da sua matéria-prima, em produtos recicláveis e nós esse lixo, devemos usá-lo também nessa perspectiva. As grandes siderurgias a nível do mundo, e no nosso país já se fala nisso, têm estado a usar em cerca de 50/60% na sua matéria-prima material reciclado. Repito: temos de fazer uma abordagem não localizadas do problema, mas mais integral até isso pode culminar na criação de mais  postos de trabalho. Como sabe o desemprego é um problema muito grave que Luanda tem. Portanto, tudo isso pode ser bem estruturado. Só que os problemas que estamos aqui a abordar, incluindo a questão do lixo, têm de ser abordados de maneira integral.  A solução não virá apenas do  GPL. Aliás, a esse respeito permita-me que felicite a boa parceria de trabalho que temos mantido com o Ministério do Ambiente, com o qual estamos a fazer uma espécie de retoma em alguns espaços da província de Luanda para que cada vez mais a arborização, os jardins, sejam uma realidade e não para fazer para inglês ver. Sempre que pensamos em meter uma boa planta na terra temos de pensar como é que vamos regar e  sempre que regamos temos de pensar como é que vamos podar, como vamos cuidar então esta vertente ambiental transportada depois para o sector educacional é algo que também enquadra-se nos nossos desafios. Temos  de trabalhar de modo integrado: os ministérios  do Ambiente,  da Energia e Águas, a própria sociedade civil, as associações ambientalistas.  

CA: O governador referiu-se à sociedade civil mas  nas mais recentes nomeações o senhor privilegiou indivíduos ligados a JMPLA. Tal como o Presidente da República, o Sr. também só vê competência em pessoas ligadas ao MPLA? A sociedade civil não tem  nada para lhe oferecer em termos de competências para resolver os problemas de Luanda? 

LR: É uma questão bem colocada, Nas mais recentes nomeações contemplamos, de facto, quadros oriundos da JMPLA. Mas o que eu lhe pergunto, Sr. jornalista, é se a filiação partidária deveria ser um factor impeditivo do exercício de uma função pública. Aliás, um membro de um partido político não pertence à sociedade civil?  Mas se reparar atentamente há de notar que nas nossas nomeações em mais de 80% o que fizemos foi uma rotação de quadros. Eles já estavam no aparelho do Estado, não houve novos playmakers que não sejam uma movimentação interna e sempre com o objectivo de fazer uma injecção de quadros de várias áreas que não sirva para deixar de parte uns para privilegiar outros, e também ainda temos um caminho a fazer. Ainda não acabamos porque para nós se notar ficamos mais de 6 meses a trabalhar com maior parte da equipa que encontramos quando viemos aqui porque a questão da gestão de quadros é para ser levada com alguma calma, alguma tranquilidade, e a sociedade civil hoje está  digamos muito compacta quase todos nós hoje directamente ou indirectamente estamos a participar na sociedade civil, tem algum nome em mente que acha que é elegível e foi posto de parte?

 CA: Eu não tenho nenhum nome específico, mas um partido que se gaba de ter entre 5 a 6 milhões de militantes apostar permanentemente nas mesmas pessoas parece desmentir esses números…

LR: Não são as mesmas pessoas; muitas delas são directores novos que nunca foram dirigentes no aparelho do Estado e hoje estão a ocupar cargos. Todas as novas pessoas que foram nomeadas na sua maioria não estavam como titulares de cargos mas eram funcionários públicos alguns, e também militantes do partido.