“Estou a ser julgado por ser filho de José Eduardo dos Santos”, rosnou, em tribunal, o réu mais famoso, José Filomeno dos Santos.
Ora bolas, que falta de imaginação! Que afirmação tão óbvia!
Sim, o sr. Zenu e todos os nomes sonantes que estão a ser julgados ou já o foram acabaram no banco dos réus por causa da sua ligação directa ou indireta a JES.
Quando o pai-presidente fez dele, irresponsavelmente, diga-se, presidente do Fundo Soberano de Angola, o sr. Zenu não assumiu, pelo menos publicamente, que o elevado cargo a que havia sido alçado se deveu à sua relação biológica com quem o nomeou. Quando o sr. Zenu levou a JES a carta forjada pelo seu comparsa, o também vigarista Jorge Gaudens, o rapaz sabia que as portas do palácio presidencial estavam escancaradas para ele por causa da sua condição de filho do ocupante principal do edifício. Um cidadão qualquer precisaria, antes, de fumar liamba para ter coragem de ir entregar tamanho embuste ao Presidente da República.
Sim, Zenu repetiu o óbvio. É o regime do seu pai que está a ser julgado. Por intermédio de Augusto Tomás, de Antônio José Maria e agora dele próprio Zenu e dos seus comparsas no golpe de 500 milhões de dólares é, sim, o regime de JES que está no banco dos réus. É pena que o antigo presidente esteja a ser julgado através de terceiros.
Não é casualidade nenhuma, repita-se, que todos os tubarões que estão no banco dos réus ou já o estiveram tiveram efectivamente alguma relação com JES.
Sem a autorização ou cumplicidade de JES, a turma do Conselho Nacional de Carregadores não se teria assanhado a tanto; sem a autorização de JES, o bando que arquitetou e executou o golpe dos 500 milhões não ousaria a tanto; sem a garantia de proteção de JES, José Maria não levaria tão longe a afronta às novas autoridades do país.
Aquele curto período de reclusão na cadeia de São Paulo não fez bem a Zenu dos Santos. Atrasou-o mentalmente. Tornou lentos os seus raciocínios.
Reconhecer, apenas agora, que está a ser julgado por ser filho de quem é não é novidade para ninguém. Aliás, é matéria que qualquer aluno do ensino secundário, razoavelmente informado, sabe.
Como Zenu saiu da reclusão temporária com algumas “lesões”, é preciso que se lhe repita mesmo que está no banco dos réus por ser o filho de quem é. Filho de camponês é julgado – e irremediavelmente condenado – por roubo de botija de gás, galinha, pato, catana ou enxada. Por ser filho de quem é, Zenu está a ser julgado – e a condenação não é, para já, líquida, pelo privilégio de roubar 500 milhões, primeira etapa de um golpe que deveria atingir 1 bilião e meio de “drops”. E ainda reclama!
Pena é que antes de ser forçado a abandonar o poder – sim, JES não abandonou o poder por cansaço ou bom senso; saiu porque o povo, incluindo membros do seu próprio partido, estava farto dele – o verdadeiro réu tenha construído em torno de si uma couraça que o livra, pelo menos por alguns anos, do banco dos réus.