Agora já pode falar?

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No texto de opinião que assinou na edição de domingo, 26 de Janeiro, o director do Jornal de Angola, Victor Silva, diz que é “com grande espanto que a sociedade tem acompanhado a revelação dos chamados ‘Luanda Leaks’ (…) porque se dá conta da fragilidade das instituições que permitiram que o erário fosse tão vil e criminosamente desviado para fins pessoais de uma elite predadora, insaciável e anti-patriota”.
Adiante, VS refere que “os factos revelados até agora já eram, de uma maneira geral, conhecidos ou, no mínimo, com fortes indícios de suspeita geral, não apenas em relação à principal visada, Isabel dos Santos, mas extensiva a muitos outros que se aproveitaram, igual e abusivamente, das riquezas que era suposto serem de todos e de que se locupletaram egoisticamente, em prejuízo da maioria dos angolanos. O que o ‘Luanda Leaks’ tem trazido à tona são documentos de uma engenharia bem montada que possibilitou a criação de um mito à volta de uma cidadã nacional sobre quem sempre se levantaram dúvidas quanto à sua meteórica ascensão no mundo empresarial, a pontos de, em poucos anos, ser considerada a mulher mais rica de África. Mesmo no seio familiar mais próximo, sempre se desconfiou que essa carreira era apadrinhada pelo facto de Isabel dos Santos ser filha de quem (…)”.
Vamos à análise dos factos.


I. É verdade que o saque das riquezas nacionais só foi possível por causa da inação, omissão e/ou cumplicidade das instituições angolanas. As forças políticas, mormente o MPLA, os tribunais, a Procuradoria Geral da República, a Assembleia Nacional, etc, todas fingiram não ver a pilhagem do país, não obstante ter sido sempre feita à luz do dia. O silêncio, o medo, a cumplicidade e a estúpida adulação a José Eduardo dos Santos convenceram-no de que este país era sua propriedade privativa. As instituições deste país, e aqui voltamos a sublinhar as singulares responsabilidades do MPLA, permitiram o saque e a pilhagem de Angola a troco das migalhas que José Eduardo dos Santos e os seus atiravam, por comiseração, de baixo da mesa. A todas essas instituições se ajustaria, na perfeição, um poema de João Melo. O poema é curto, mas a sua mensagem é muito forte. Diz assim: “cão pontapeado pelo dono lambe-lhe as botas; homem servil é cão supracitado”.
Neste país, quanto mais José Eduardo dos Santos roubava, pilhava, apadrinhava o saque, mais era idolatrado. No auge da pilhagem, hordas e hordas de homens, industriados pelo MPLA, ignoraram sol ardente, chuva inclemente para saírem às ruas gritarem “hosanas” ao dissimulado salteador das nossas riquezas.
Agora mesmo, alguém recuperou nas redes sociais um vídeo em que membros do Comité Central do MPLA, a maior parte dos quais com idade de serem bisavós, avós e pais ensaiam um patético exercício de dança e cântico em homenagem ao homem que o tempo – e não a vontade própria – afastou do poder.

II. Sim, são inquestionáveis as responsabilidades das instituições pelo colapso do país. E o conceito de instituição é extensivo a entidades como Jornal de Angola, Rádio Nacional de Angola, Televisão Pública de Angola e ANGOP. Quando em Junho de 2016 José Eduardo dos Santos colocou a filha Isabel dos Santos na
presidência da Sonangol ninguém exultou mais do que a Comunicação Social pública e a TV Zimbo, esta por razões óbvias. A RNA, TPA e o Jornal de Angola promoveram uma réplica das antigas campanhas de emulação socialista em defesa da “sábia” decisão de José Eduardo dos Santos. Os bajuladores viam em cada gesto de JES – mesmo aqueles que ofendiam o ordenamento jurídico, como, por exemplo, o nepotismo – rasgos de magnanimidade, sabedoria, clarividência, enfim, viam nele todas as virtudes. O “mito à volta de uma cidadã nacional sobre quem sempre se levantaram dúvidas quanto à sua meteórica ascensão no mundo empresarial, a pontos de, em poucos anos, ser considerada a mulher mais rica de África” já existia em 2016, mas isso não inibiu Victor Silva e seus companheiros da Comunicação Social pública de ver em Isabel dos Santos a melhor gestora existente à face da terra e de enxergar em José Eduardo dos Santos o mais visionário de todos os líderes mundiais.

III. Na tarde do dia em que José Eduardo dos Santos colocou a Sonangol no portfólio das empresas da filha, este vosso escravo encontrou-se com um dos mais influentes membros do Bureau Político a quem fulminou com a seguinte pergunta: “Camarada…como é que isso é possível? Até a Sonangol passa para a esfera da Isabel?”. Cabisbaixo, ele respondeu: “Não fomos ouvidos. Eu como membro do Bureau Político soube da nomeação através da Rádio Nacional de Angola”. A atitude e a resposta desse dirigente do MPLA traziam embutidos o constrangimento e a vergonha.
Embora não tivessem tomado uma posição pública, é de todo evidente que a decisão unilateral de JES incomodou muitos sectores da própria cúpula do MPLA.
Atitude contrastante tiveram os Órgãos de Comunicação Social, mormente os seus principais responsáveis.
Por causa das más condições em que são forçados a viver, os angolanos são apoquentados por várias maleitas. Mas nem todos perderam a memória. Sabem, perfeitamente, quem é quem e de que lado esteve em dado momento histórico. São perfeitamente inúteis esses exercícios de sacudir a água do capote. É chegada a hora de cada um assumir as suas responsabilidades para que o passado não se repita. Alguns jornalistas são tão responsáveis quanto outras instituições pelo descalabro do país.
O seu endeusamento por parte de certos e bem identificados jornalistas convenceram JES e a sua insaciável prole que não tinham que partilhar com mais ninguém os recursos deste país.

IV. Vamos repeti-lo: é dramático que as mesmas pessoas que encorajaram JES a pilhar o país e que viram na filha dele inigualáveis virtudes, sejam as mesmas que agora fingem nada terem visto, nada terem ouvido e nada terem sabido.
É importante que a sociedade comece a reagir para essa gente sem escrúpulos e sem carácter não nos tome por idiotas.

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