Em reportagem que mereceu honras de capa, “The Africa Report” coloca o líder angolano entre os africanos que romperam paradigmas
Sob o título “Disruptores” e o ante-título “Os 50 principais africanos que romperam com o status quo”, o presidente de Angola, João Lourenço, é o destaque da capa da edição número 111 da revista “The Africa Report”, referente ao trimestre Abril-Junho do corrente ano.
Uma foto do estadista ocupa quase 70% do pórtico da publicação, pertencente ao Jeune Afrique Media Groupe.
A matéria intitulada “Lourenço quebra o paradigma” – esta é também a legenda da foto da capa –, inicia com as duas primeiras ilustradas com as silhuetas do chefe de Estado angolano e de Isabel dos Santos, entremeadas com a seguinte chamada: “À medida que a economia petrolífera de Angola se esgota, o presidente Lourenço lidera um esforço para recuperar mais de US $ 10 biliões roubados nas últimas duas décadas – isso significa um confronto com o clã Dos Santos e com perguntas sobre a direcção do país”.
A matéria é assinada por Zoe Eisenstein, antiga correspondente da BBC em Angola, e Patrick Smith, jornalista investigativo australiano. A mesma apoia-se em declarações do jornalista e activista cívico Rafael Marques e do economista e académico Alves da Rocha, assim como em dados de várias entidades internacionais, destacando a luta contra a corrupção.
“Lourenço quer o retorno dos mais de 100 biliões de dólares saqueados entre 2002 e 2017 – dos quais talvez cerca de 10% possam estar vinculados à antiga primeira família. Essa é uma das maiores investigações do mundo em busca de activos roubados – incluindo países como Portugal, Grã-Bretanha, Emirado Árabe, Rússia, China e Hong Kong. Tentativas anteriores no Egipto, na Indonésia e na Nigéria de recuperar recursos arruinados, descarrilaram por culpa de funcionários da Justiça. Lourenço quer quebrar o paradigma”, lê-se na reportagem sobre a actual situação do país, entretanto, descrita nas colunas dessa reportagem.
“Algum sucesso de Lourenço poderia melhorar a crise que ele herdou quando assumiu o poder em 2017. Angola está em colapso financeiro, com inflação e desemprego galopantes. Um decreto aprovado em 2018 para a repatriação voluntária de activos rendeu pouco mais de US $ 2 biliões, quase 2% da meta. O Procurador-geral de Angola está a percorrer as capitais ocidentais para estabelecer troca de informações financeiras, instando os órgãos reguladores a congelar activos”, refere o texto.
De acordo com os autores da extensa matéria, a mudança empreendida por João Lourenço acontece num momento de grandes adversidades para os angolanos, inclusive para Rafael Marques, que discorda da opinião de sectores ligados ao “Eduardismo” segundo a qual a cruzada de João Lourenço contra a corrupção é uma vingança. “Não é uma campanha selectiva […] eles estão a ir atrás de muitos funcionários governamentais e pessoas de negócios”.
A reportagem que refere a forma como Isabel dos Santos construiu o seu “Império” e aborda também a “conexão portuguesa” da família do homem que já foi o presidente mais antigo do Mundo – só superado em 43 dias por Obiang da Guiné Equatorial –, não esquece as implicações internacionais do caso. “Várias transferências ilícitas de empresas estatais, contratos de compras inflacionados e aquisição de terras na capital do país são a ponta visível de um gigantesco iceberg, de acordo com advogados comerciais familiarizados com a maior transação de Angola na última década”, conforme se lê na reportagem que cita um executivo de negócio como tendo dito que “a transferência de US $ 100 milhões – amplamente divulgada – é uma parte menor do que aconteceu durante o período da Sonangol sob liderança de Isabel dos Santos”.
Além da reportagem sobre a luta contra a corrupção em Angola, que cobre sete páginas, João Lourenço é colocado numa peça à parte, como número 3 entre “Os 50 principais africanos que romperam com o status quo”. Tendo na frente o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed (número 1) e o empresário nigeriano Aliko Dangote (número 2), João Lourenço é coberto com referências elogiosas relacionadas com a forma como tem dirigido o país.
“Chegado ao cargo de presidente da República em Setembro de 2017, após 38 anos de consulado de José Eduardo dos Santos, era como se João Lourenço puxasse um canivete em seu ex-protector no dia da investidura. Demitiu a filha Isabel dos Santos da estatal Sonangol e o irmão desta José Filomeno “Zeno” foi preso por desvios de recursos, um por um, cabeças estão a rolar em todos os escalões da governação, removendo os tentáculos de Dos Santos na estrutura de mecenato. A questão-chave agora, para os cínicos, será saber se ele estará disposto a fazer mudanças constitucionais que diluam a estrutura centralizada do poder que permitiu que esses abusos acontecessem?”, lê-se na peça.
Entre a meia-centena de “eleitos” pela publicação, só há um angolano, exactamente João Lourenço. Ele é o único lusófono do continente. Com um também estão o Egipto, Togo, Burkina Faso, Mali, Zimbabwe, Camarões, Líbia, Uganda, Zimbabwe, Senegal, Libéria, Ruanda e Tanzânia, seguindo-se Costa do Marfim, Marrocos, Costa do Marfim, Sudão e RD Congo todos com dois. Os outros países representados na lista são Etiópia (três), Ghana (quatro), Quénia (quatro), África do Sul (sete) e Nigéria (nove).
A revista os define como “políticos, atletas, jornalistas investigativos, técnicos e homens dos negócios que mudaram as regras do jogo – alguns para melhor e outros para pior. De maneiras muito diferentes, esses 50 africanos estão a transformar o continente”. No encabeçamento desta matéria, que também é destacada no sumário com uma foto-montagem de várias personalidades, entre as quais João Lourenço, Angola é novamente referenciada. “Os obstáculos mais difíceis talvez surjam nas nossas próprias mentes. Quando um regime está na sua magnificência, como o MPLA em Angola, pode parecer que governará por cem anos. «Disruptores» pode tornar-se um chavão do mundo da tecnologia e start-ups, mas há muito tempo aplicado a quem não será silenciado. Daqueles que classificam os modelos de negócios das empresas tradicionais de táxi e dos bancos tradicionais aos que alteram a maneira como pensamos ou perdemos a esperança, todos deixam uma marca ao mudar os sistemas – da maneira como as coisas são feitas – para impactar gerações”, augura a matéria.