No princípio da semana passada, anúncios da estação televisiva lusa TVI de que emitiria, em dois dia seguidos(terça e quarta), reportagens sobre a corrupção em Angola causaram muito alvoroço no país.
No súmula das reportagens, a TVI dizia que depois do “Luanda Leaks e da investigação a Isabel dos Santos, avançamos com revelações de sobre o Governo de Angola e do actual Presidente.”
A reportagem prometia falar de contratos de milhões, empresas offshores e muito dinheiro enviado directamente de Angola para Portugal. “Estamos a falar de nomes do topo do Executivo de João Lourenço”.
A estação televisiva prometia falar de “uma empresa de um ministro que consegue contratos públicos de muitos milhões de dólares e muitas vezes esse dinheiro é enviado directamente para Portugal onde são comprados bens de luxo como casas e barcos. Por outro lado, familiares de um outro ministro conseguiram também contratos milionários em Angola em áreas de influência desse ministro”.
O anúncio das reportagens não identificou nomes de ministros, mas os presumidos “artistas” não perderem tempo: no plano externo, e através de expedientes que certamente incluíram chantagem, matéria em que um sobrinho se terá revelado de enorme serventia, conseguiram que a TVI se pendurasse a uma estúpida justificação para explicar o adiamento, sine die, da emissão das duas reportagens. No plano interno, eles soltaram os seus paspalhos, os quais, sem o menor pudor, se encarregaram de inundar as redes sociais com baboseiras próprias de quem mente por ofício.
No essencial, esses paspalhos dão eco ao delírio de que as reportagens da TVI não passariam de mais uma manifestação de uma velha campanha contra Angola e seus líderes. Mais numa vez se fez recurso à retórica do embuste que pretende que os angolanos são vítimas de uma conspiração mundial.
Deixemo-nos de tretas: de que maneira a imprensa lusa pode ser responsável pelos milhões de dólares que desaguam, inexplicavelmente, nas contas de auxiliares directos do Presidente João Lourenço e na de suas concubinas? Não há nenhuma campanha contra o Governo angolano, protagonizada pela imprensa portuguesa, por causa da sua cruzada contra a corrupção; o que a imprensa portuguesa regista – e isso é do conhecimento das autoridades angolanas – é, sim, a continuação da corrupção, seja na sua forma tradicional de gasosa, seja revestida de saque, pilhagem e expatriação ilegal de capitais.
Por melhor elaborada que seja, a estratégia de vitimização a que os nossos presumidos agora se agarram desesperadamente não inverterá os factos. E os factos dizem-nos que membros do núcleo duro do Governo do Presidente João Lourenço persistem em práticas que não se coadunam nada com a transparência, a boa gestão da coisa pública.
Por mais fantasioso que se seja, não é razoável supor que foi a imprensa portuguesa que “plantou”, em Julho de 2013, mais de 17 milhões de dólares na conta bancária de Edeltrudes da Costa sem que se lhes conheça até hoje a origem; também não se podem imputar à imprensa lusa as milionárias transferências que o actual director do gabinete do Presidente da República efectuou a favor de uma ex-mulher para a compra de imóveis em Portugal.
Outrossim, seria necessária muita fantasia, em todo o caso insuficiente, para imputar à imprensa lusa e sua suposta cruzada contra a corrupção em Angola, as milionárias compras de casas e barcos que familiares directos do ministro da Energia e Águas fazem em Portugal e outras paragens. E como explicar que as contas da empresa de Carla Cardoso, esposa do chefe da Casa Civil do Presidente da República, continuem a ser drenados com dinheiro público?
Sexta-feira, 13, na abertura da III reunião ordinária do CC do MPLA, João Lourenço falou da sua determinação de prosseguir a luta contra a corrupção e da resistência com que se depara. Mas não dedicou uma só palavra a escândalos que têm o epicentro no seu próprio gabinete de trabalho e como protagonistas pessoas da sua máxima confiança.
O silêncio do Presidente da República e de instituições como a Procuradoria Geral da República perante essa sucessão de escândalos ameaça tornar a luta contra a corrupção em conversa fiada. Ou, no mínimo, como bem receia a Igreja Católica, numa cruzada selectiva.