O exemplo que deveria vir de cima e o “incentivo” aos excessos policiais

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Os governantes que esta sexta-feira, 3, estiveram à mesa do presidum da conferência de imprensa para o balanço da primeira semana do Estado de emergência não observaram a distância de metro e meio entre eles. Não deram o exemplo, violaram uma norma, incluindo o ministro do Interior que proclamou em tom quase bélico que “a Polícia não está na rua para distribuir rebuçados nem chocolates”, o que pode abrir caminho para excessos da Polícia, a mesma que matou Juliana Cafrique e outros cidadãos inocentes por pura despreparação… 

Na conferência de imprensa alargada da Comissão Interministerial de Resposta ao Covid-19, realizada esta sexta-feira, 3, a ministra da Saúde reiterou ser necessário o estrito cumprimento das medidas de proteção individual para evitar o contágio pelo letal virus, a começar pela distância de um metro e meio que deve ser observada quando várias pessoas estiverem juntas.

Quando Sílvia Lutucuta disse isso à comunicação social, estava exatamente a praticar o contrário. Ou seja, estava a menos de metro e meio das pessoas que o ladeavam, designadamente o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, Pedro Sebastião, e o ministro dos Transportes, Ricardo Abreu.

Em boa verdade, à mesa em que também estavam o ministro do Interior e o governador de Luanda, nenhuma das cinco pessoas guardou a distância necessária para se proteger de um eventual contágio. Por outras palavras, o exemplo que deveria vir de cima não veio, tendo a liderança da comissão interministerial se portado como um grupo de pessoas especiais, com superpoderes e imunes ao vírus.

É verdade que a sala do Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM) não está preparada para uma situação emergencial como a que vivemos actualmente. Mas para dar o exemplo e durante a conferência dizer isso mesmo, podiam estar à mesa do presidium apenas três membros da referida Comissão, de modo a observar a separação aconselhável. Aliás, o ex-ministro do Comércio, Vítor Fernandes não esteve à mesa e não foi por isso que deixou de responder às perguntas que lhe cabiam, acontecendo o mesmo com o também ex-ministro da Comunicação Social Nuno Albino – oficialmente ambos os ministérios foram extinguidos a 1 de Abril pelo decreto legislativo presidencial n.º 4/20. Isto quer dizer que pelo menos dois dos que estiveram à mesa poderiam estar também na plateia. Há uma semana, na última reunião do Conselho de Ministros, por exemplo, o distanciamento individual foi cumprido.

Outro ponto que marcou a conferência de imprensa foi um importante trecho da declaração do ministro do Interior. “A Polícia não está na rua para distribuir rebuçados nem chocolates”. Despreparada como é grande parte do efectivo da Polícia Nacional, essa declaração pode ser interpretada de forma errônea e ser levada ao extremo. Ou como quem diz, não estando a Polícia na rua para distribuir rebuçados e nem chocolates, está certamente para distribuir balas!… Como faz com muitos cidadãos indefesos.

A forma como Eugénio Laborinho falou – o conteúdo não está aqui em discussão, mas sim o tom quase belicoso usado pelo governante – pode constituir “incentivo” para uma actuação para lá dos marcos da razoabilidade, algo que já acontece “normalmente”, mesmo sem necessidade de palpites da mais alta hierarquia. O caso de Juliana Cafrique, assassinada há um ano por um agente da Polícia Nacional, é paradigmático do despreparo quase generalizado de agentes e até oficiais da corporação. E o de Juliana foi só um caso de muitos, como o da vendedeira ambulante assassinada também pela Polícia Nacional há já alguns anos nas cercanias do Mercado dos Congolenses com um alguidar de mabangas à cabeça!

A facilidade com que elementos da Polícia Nacional costumam premir o gatilho e a desproporção de meios que em regra usam para “resolver” problemas podem encontrar respaldo na tonalidade marcial que o ministro do Interior pôs nas suas palavras. Ele que, como outros membros do governo que estiveram na conferência de imprensa, também não cumpriu uma norma fundamental de proteção individual para evitar o contágio. Ele que deveria dar o exemplo e não deu.Imagine-se, senhor ministro do Interior, se a Polícia Nacional tivesse que actuar para impor a norma por vós violada, “sem dar rebuçado nem chocolate”, como faz com muitos indefesos cidadãos! Seguramente que arrepender-se-ia de ter dito o que disse!

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Jornalista