Decepcionante, incoerente e confusa – eis no que se pode resumir a reforma ministerial que o Presidente Joao Lourenco empreendeu esta semana.
Decepcionante porque a “reforma” ficou-se pela rama. João Lourenço teve todas as condições para levar a cabo uma reforma que expurgasse o Executivo de todos os elementos que atrapalham a sua acção e, também, a imagem.
Foi desperdiçada uma boa oportunidade de desembarcar da nau alguns indivíduos tóxicos, recorrentemente associados a operações financeiras feitas sob intenso e fechado “nevoeiro”. Os nomes e endereços são conhecidos.
Quando confrontada com o muito que ficou por fazer, a defenestração de Frederico Cardoso sabe a pouco, muito pouco.
Aliás, ficou mais ou menos implícito que a exoneração do antigo ministro de Estado e Chefe da Casa Civil foi ditada mais pelas suas trapalhadas no exercício da função do que pelas traquinices que geraram milhões de dólares nas contas da sua consorte.
Numa reforma cujo alcance não está claro, sectores do Executivo consistentemente contestados sobreviveram incólumes. Tal é o caso da coordenação da política económica. Manuel Júnior, ministro de Estado que responde por essa pasta, é uma unanimidade nacional: não consegue dar conta do recado.
Recentemente, Rafael Marques, do Maka Angola, avaliava assim o desempenho do ministro de Estado para a Coordenação Económica: “Angola atravessa uma fase difícil, de falta de recursos, de falência das pequenas e médias empresas, desemprego. Tal resulta sobremaneira de medidas macroeconómicas obsoletas, que se traduzem na incapacidade de atrair investimentos. O ministro de Estado para a Coordenação Económica deveria vir regularmente a público dizer, em nome do presidente da República, quais são as medidas estruturantes para reanimar o país. Infelizmente, Manuel Nunes Júnior passa o tempo a esconder-se, quando é o principal responsável das medidas obsoletas. Também o é pela manutenção do centralismo económico de feição marxista-leninista, que a mais ninguém serve senão aos interesses privados da elite governante. A posição ‘invisível’ de Manuel Nunes Júnior cria maior confusão no sector sob sua tutela, pois os ministros da Economia e Planeamento, Finanças, assessor presidencial para os Assuntos Económicos e o governador do BNA, que é membro do governo na sua formulação, estão-lhe subordinados. Como resultado da irritante ‘invisibilidade’ do Nunes Júnior, o ministro da Economia e Planeamento, Sérgio Santos, anuncia as suas iniciativas; a ministra das Finanças, Vera Daves, também o faz a solo; e lá vem o governador do BNA, José de Lima Massano, também com o seu pacote de medidas. (…) As iniciativas individualizadas da equipa económica sobre a economia não são percebidas pelos agentes económicos, e muitas vezes parecem desalinhadas e contraditórias entre si. É um desastre político e de comunicação”.
Apesar dessas obviedades, João Lourenço continua a ter em Manuel Júnior um dos seus principais trunfos.
Incoerente, porque o conteúdo da reforma não condiz com o seu invólucro.
Proposta eleitoral de João Lourenço, a redução da despesa pública, por via da diminuição da máquina governativa, ficou-se pelas intenções. A extinção de sete ministérios não terá expressão nenhuma na redução da despesa pública desde logo porque, em boa verdade, esses ministérios não foram extintos; foram absorvidos por outros. A estrutura de gastos do governo mante-se praticamente incólume. Com exceção de Frederico Cardoso, quase todos os ministros que ficaram sem pelouros foram “reciclados”, agora como secretários de Estado, nos novos departamentos ministeriais surgidos.
Para transmitir ao país a mensagem de que a redução da despesa pública é para ser tomada a sério, João Lourenço deveria começar por emagrecer a máquina que ele próprio montou em torno de si.
O jurista Albano Pedro aponta a própria Presidência da República como o ralo por onde se esvaem bastantes recursos públicos. “Os departamentos ministeriais, embora numerosos, não suplantam em quantidade de quadros efectivos o pessoal civil e militar enquadrado na Presidência da República. É sabido que a força de segurança presidencial é das mais numerosas do mundo, tal como não é novidade para ninguém que a Presidência da República conta com numerosos órgãos e serviços que até tornam inútil a existência de ministros e ministérios.
Se falarmos do sector da economia, por exemplo, sabe-se que uma ordem do Presidente da República até chegar ao Ministro da Economia passa (ou devia passar) pelo seu assessor para os assuntos económicos, seguido do seu secretário para os assuntos económicos (com categoria de Ministro), do Ministro de Estado para os assuntos Económicos. Nesta cadeia torna-se evidente a função residual do Ministro da economia como auxiliar do Titular do Poder Executivo”.
O jurista conclui que “a gordura não está nos ministérios, mas na própria Presidência da República. Daí que não é verdade que a redução de ministérios seja um passo significativo para a redução da despesa pública. Se tanto, o emagrecimento dos departamentos ministeriais, representa uma poupança muito abaixo dos 10% do total das despesas com o funcionamento do Governo. Ou seja, não representa absolutamente nada para o plano de contenção de despesas que se pretende. O que aconteceu é que se reduziu aí onde não havia gordura nenhuma e o Governo ganhou a imagem caricaturesca de um indivíduo de corpo obeso com pernas de palitos”.
Confusa, porque a reforma introduz elementos de difícil compreensão. Por exemplo, qual é a mensagem que subjaz na nomeação do novo ministro da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria? A contínua aposta num veterano da luta de libertação nacional quererá significar que João Ernesto dos Santos “Liberdade” é incansável, alguém a quem a reforma não é aplicável? De quê “massa” é feito o homem?
Na confusão em que se tornou, a reforma ministerial acabou por distribuir alguns estilhaços” à jovem e Adjany da Silva Freitas Costa. A fazer doutoramento na prestigiada universidade de Oxford, a jovem foi chamada para assumir um superministério que congrega três pastas em uma: Ambiente, Hotelaria e Turismo.
Os questionamentos a esse propósito não têm nada a ver com ciúmes, invejas ou outros sentimentos baixos. O problema, justamente colocado, é: ao chama-la para um posto tão elevado, João Lourenço não coloca sobre os ombros de Adjany Costa responsabilidades demasiado pesadas que podem perturbar o seu doutoramento? Qual a garantia de que, sendo bióloga já reconhecida, Adjany venha a ser uma boa ministra da Cultura e também do Turismo?
O sociólogo Paulo Inglês coloca a nomeação nestes termos: “Ministra da Cultura? Porquê raio uma bióloga ou biólogo a tirar um doutoramento em Oxford é a pessoa ideal para ser Ministra da Cultura? Não seria mais útil ao país quando acabasse a sua formação e dirigisse por, exemplo, um laboratório de conservação da vida animal ou algo assim? A fauna e a flora por esse país imenso e desconhecido não ganhariam mais?”
E acrescenta: “É muito difícil encontrar alguém com inteligência, oportunidade (Oxford!) e gosto para uma área como esta! Para se formar uma cientista bióloga de prestigio internacional com credenciais leva anos e é extremamente exigente. Trocar isso pelo Ministério da Cultura? A fazer o que? Alguém no seu perfeito juízo (ou sem vocação para mártir) quer ser Ministro com esta Constituição, neste governo sem dinheiro para fazer saltar uma rã e, sobretudo, ter como colegas alguns fulanos que foram nomeados! Não havia alguém que tivesse passado pela jota com jeito para falar na televisão para fazer a vez?”
Enfim, não é apenas no propósito – emagrecimento do Executivo – que a reforma empreendida pelo Presidente João Lourenço falhou o alvo. É também no critério.
Ao que tudo indica, o Presidente da República transformou as nomeações e exonerações de ministros numa questão de foro íntimo. Só ele sabe o que quer e só ele decide. Com isso fica evidente que João Lourenço tem do exercício do poder presidencial uma noção unilateral; uma noção que ignora o dever de dar satisfações.
Quanto aos ministros que aceitaram ser secretários de Estado só ha uma palavra: faltam-lhes vértebras!