Constituição: revisão ou refundação?

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Fala-se numa eminente revisão constitucional. A primeira nota: saber qual a classificação da Constituição de Angola em comparação com suas similares no resto do mundo, se é rígida, semi-rígida ou mesmo hiper-rígida (caso das constituições de cariz religioso). Posto isto, em termos meramente conceituais (definitio est initium omni disputationi), a revisão é uma operação jurídico-politica que está na previsão da norma intra-constitucional (CRA Título XVII. Capítulo II. Artigo 233 e seguintes, até 237). Assim sufragando o principio da legalidade. A mesma Constituição estabelece os marcos dentro dos quais se circunscreve a “cirurgia” e o respectivo itinerário procedimental a ser observado.

Merece especial atenção, havendo outros aspectos a reter, o que dispõe sobre os limites, temporais e materiais. A respeito dos limites materiais pronuncia-se eloquentemente (CRA Título VII. Capítulo II Artigo 236, a) e seguintes, até k). Trata-se de um exercício derrogatório, modificatório e suspensivo, havendo quem prefira que é ab-rogatório, quando norma nova (NV) afasta, definitivamente, do ordenamento jurídico, a norma antiga (NA), deixando aquela, a primeira, de irradiar efeitos.


O Presidente da República tem poderes que o legislador colocou à sua disposição que podem provocar um refluxo, mediante mecanismos de procrastinação e repristinação, que lhe são largamente favoráveis, por dispor do privilégio de designar a quase metade da totalidade da sua composição

Certo que a nova norma insere-se no ordenamento pré-existente, logo requer do poder constituinte derivado (PCD) a observação de metodologia imanente, socorrendo-se de técnicas legislativas para torna-lo “afeiçoado” ao texto aprovado pelo poder constituinte original.

 Haverá, porventura, um exagero do professor Jorge Bacelar na velha retórica “A criatura jamais pode impor-se ao criador “( Gouveia, Jorge Bacelar, in:  “Direito Constitucional de Angola “). No campo da fiscalização da constitucionalidade da operação apresentam-se alguns nós, assim como o equilíbrio entre os poderes. Colocam-se também questões políticas de relevância, porque ao Presidente é conferida a faculdade de pedir a fiscalização abstrata, preventiva e sucessiva. Acontece que ele designa quatro conselheiros do Tribunal Constitucional (Lei  02-08, de 17 de junho. Capítulo II.  Artigo 11 a), incluindo o presidente da corte, única instância competente para apreciar e decidir da constitucionalidade das normas novas. 
O Presidente, neste campo, tem poderes que o legislador colocou à sua disposição que podem provocar um refluxo, mediante mecanismos de procrastinação e repristinação, que lhe são largamente favoráveis, justamente por dispor do privilégio de designar a quase metade da totalidade da sua composição. Na verdade, são como que “regras de ouro”. Alegadamente, o legislador agiu de antemão, no interesse particular do órgão de soberania PR. Portanto, “res se movente” – as coisas não se movem por si próprias.

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Jornalista, Escritor e Jurista.