Na sua próxima edição, o programa “Conversas Cruzadas”, da Rádio MFM, recordará aos seus ouvintes palavras do primeiro-ministro luso, António Costa, proferidas em 2018 em resposta ao pedido de ajuda de Angola ao seu programa de recuperação de dinheiro roubado.
Embora faladas num português ao alcance de quase todos, as palavras de António Costa aparentemente chegaram aos ouvidos dos governantes angolanos com muitos ruídos.
Nessas esclarecedoras declarações, António Costa diz, exactamente: “(…) da parte das autoridades angolanas (…) encontramos a vontade de que todo este processo se desenvolva sem pôr em causa a estabilidade do sistema financeiro português. O que importa aqui é, essencialmente, dar o seu a quem é seu, atribuir a titularidade do capital a quem deve ser titular do capital e não propriamente a localização do capital. (…) de acordo com as regras que temos estabelecidos do ponto de vista de cooperação judiciária, cooperação policial e da cooperação fiscal daremos toda a colaboração relativamente a apoiar Angola no combate à corrupção, à promoção da lealdade na concorrência e à identificação de capitais que estejam indevidamente titulados.
Da parte de Angola a informação que nos foi transmitida também é que isto não porá em causa a estabilidade do nosso sistema financeiro. Fica a questão de saber onde estão localizados os depósitos. A questão é essencialmente saber em nome de quem estão titulados os depósitos e é a isso que nós daremos toda a colaboração às autoridades angolanas para que o dinheiro que pertença a Angola seja contabilizado”.
Com essas declarações, repete-se, o chefe do Governo português respondia ao pedido de ajuda das autoridades angolanas a Portugal para localizar e repatriar recursos financeiros roubados ao país.
Desde que foram proferidas, no dia 24 de Novembro de 2018, jamais algum governante deste país se deu ao trabalho de dizer o que Angola percebeu e extraiu das declarações de António Costa.

Quando aludem à cooperação judiciária com Portugal, os governantes angolanos geralmente fazem-no com uma perspectiva que implicitamente a associa a imensos ganhos para Angola.
Mas não é isso que o dizem as palavras de António Costa.
Qualquer pessoa com razoável domínio da língua portuguesa percebe que Luanda e Lisboa têm entendimento diferente da cooperação judiciária que estabeleceram.
Das palavras de António Costa se depreende claramente que a cooperação judiciária com Portugal, de que Angola tanto se gaba e orgulha, só serve para os portugueses dizerem quanto dinheiro roubado ao nosso país foi guardado na sua terra e quem o roubou.
“A questão é essencialmente saber em nome de quem estão titulados os depósitos e é a isso que nós daremos toda a colaboração às autoridades angolanas para que o dinheiro que pertença a Angola seja contabilizado”.
Os desenvolvimentos do caso EFACEC em Portugal estão a dar uma tradução prática do entendimento luso do acordo de cooperação judiciária.
Agora que já sabe que fez uma interpretação errada do acordo, Angola deveria retirar imediatamente as suas tropas do campo e encerrar as portas. Isto é, rasgar o acordo de cooperação judiciária.
Para saber quem roubou seu dinheiro e o escondeu em Portugal e outras paragens, Angola não precisa de qualquer acordo de cooperação judiciária com Portugal. Angola conhece os seus gatunos e também é capaz de saber quanto eles roubaram. Apesar de desfalcada de dois ou três dos seus mais influentes membros, neste f=momento foragidos ou fora do alcance da justiça angolana, a turma da ladroagem está aí, quase intacta e vivinha da silva.
Naquela linguagem que o angolano entende bem, tem de se dizer que pela via do acordo de cooperação judiciária Portugal enfiou “baita de uma kibiona” a Angola.
O entusiasmo com que o Procurador-Geral da República e o próprio Presidente da República se referem à dita cooperação com Portugal sugere que ou Angola não se incomoda com a kibiona, ou os seus governantes não perceberam uma única palavra daquela declaração de António Costa.
Mas quem percebe português não tem a menor dúvida: os portugueses não devolverão a Angola um centavo dos biliões de dólares domiciliados nos seus bancos ou investidos em várias partes.
Aos angolanos sobrará a consolação de saber que empresas como EFACEC e outras foram reerguidas ou criadas com dinheiro roubado ao seu país ou que bancos com DNA angolano (BIC, Atlântico, BNI) financiam a economia tuga.
É pouco, mas não pode aspirar a mais quem nem sequer é capaz de interpretar acordos que assina.
No sábado, a rádio MFM vai redifundir as declarações do primeiro-ministro português.