A.Q. : “OS PUTOS FORAM PROCURADOS ATÉ SEREM TAMBÉM DETIDOS”

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Insistente e acintosamente, Artur Queiroz procura “celebrizar” o meu nome como detractor da memória de Agostinho Neto e inimigo número um e da República de Angola e do MPLA. Se Queiroz fosse São José Lopes, o inspector da PIDE com grande influência em Angola, eu já estaria na cadeia com Agostinho Neto. Mas não seria morto, como Agostinho Neto não o foi. Seria morto, se estivéssemos, isso sim, no ano de 1977. Desde esse ano até hoje, as pessoas que perderam familiares e os que assistiram ao genocídio mantiveram-se calados. Por causa da síndrome do MEDO. Hoje, na era de João Lourenço, estão a falar. 

Artur Queiroz está a afirmar publicamente que é com erupções sangrentas e a morte de crianças inimputáveis que se combate um golpe militar? Está a dizer que, sob a égide do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, foi assim que se combateu o golpe militar?

No dia um de Junho de 2019, a Universidade Católica de Angola organizou o encontro Liberdade e Memória em Mesa Redonda: O 27 de Maio em Angola (https://www.youtube.com/watch?v=qhPocUS_mJs&t=3613s). Nesse fórum público, o cidadão Manuel Menezes tomou a palavra e deu o seguinte testemunho: “Eu quero dizer que há pouca gente que me conhece, eu comportei-me de forma clandestina durante estes 40 e tal anos. No 27 de Maio eu tinha 18 anos de idade, e o meu irmão mais novo tinha 16. Fomos os dois presos em casa, eu salvei-me, ele não. O que é que um rapaz de 16 anos fez de tão grave para ser morto? O que é que um menino de 16 anos fez de tão grave para não merecer perdão, quando eu sei que o meu irmão foi torturado até à morte? Esta é a questão que eu coloco. Durante muitos anos, fiquei calado. Chegou a altura de começar a falar um pouco mais aquilo que me vai na alma. Eu não estava para vir. Os meus pais foram-se embora deste país. A minha família toda abandonou este país. A minha família era uma família de quadros válidos para este país. E todos foram-se embora. Naquela altura, só havia um liceu onde havia estudantes da sexto e sétimo anos. E todos as pessoas do sexo masculino do sexto e do sétimo ano foram presas. Com ou sem causa. Simplesmente, éramos tirados das escolas, e íamos para a cadeia. E depois, tínhamos residência vigiada. Nós temos que beber da experiência de países vizinhos, que fizeram a reconciliação nacional e que hoje vivem em paz. A África do Sul é um belo exemplo. A África do Sul criou uma Comissão da Verdade em que estiveram as duas faces da moeda: aqueles que sofreram e aqueles que oprimiram. Em nome da verdade, estiveram lá, disseram o que fizeram, quem massacraram e onde estão os corpos. É isso que eu espero: que haja coragem política neste país, para que se constitua uma Comissão da Verdade e que se apure a fundo os números de mortos e as pessoas que foram mortas sem causa.Eu hoje tenho 51 anos de idade, sou engenheiro, e quero morrer um dia sabendo que estas situações estivessem devidamente resolvidas e que eu pudesse ficar em paz. Porque eu não estou em paz comigo mesmo até hoje. Porque eu vivo cá neste país, sou engenheiro felizmente bem sucedido, e seu e quisesse ir, ia-me embora. Porque isto não tem nada a ver comigo. Acabaram com a minha família. A minha família acabou no 27 de Maio.”

Artur Queiroz, o ficcionista da História, vem agora responder à pergunta angustiante do engenheiro Manuel Menezes: “O que é que um menino de 16 anos fez de tão grave para não merecer perdão, quando eu sei que o meu irmão foi torturado até à morte?”

No seu artigo datado de 08/07/2020, intitulado “AZARES DE JOÃO LOURENÇO. Os Meninos à Volta da Fogueira dos Golpistas”, Queiroz escreveu: “Os golpistas do 27 de Maio usaram as mesmas técnicas com os putos adolescentes e adultos descontentes. Decidiram assaltar o Palácio da Cidade Alta e matar Agostinho Neto. Usaram o Sandokan e outros antigos quadrilheiros, como o Sabata, para mobilizarem o escudo humano que os protegesse no assalto final ao Poder. Eram os manifestantes pacíficos que abriram caminho aos golpistas armados até aos dentes. O que fazer com aqueles putos usados pelos fraccionistas? Na fase de contenção do golpe, toda a gente que andava na rua foi presa. Os que fugiram, tornaram-se mais suspeitos e foram procurados até serem também detidos. É assim que se combate um golpe militar com aquelas características. 

Portanto, os putos do Sandokan, Sabata ou independentes aderiram, sem saber ou conscientes, ao golpe de estado militar fracassado. Quem teve de combatê-lo não podia distinguir os conscientes dos inconscientes, os que assaltaram e mataram dos que só entraram no golpe por folclore. Os golpistas que prenderam e mataram Garcia Neto e o comandante Eurico Gonçalves eram todos adolescentes, membros da comissão popular do bairro Patrice Lumumba. Meu caro José Luís Mendonça, os putos que dizes serem vítimas inocentes assaltaram, mataram e torturaram. Foram instrumentalizados por Sandokan, Sabata, Nito Alves, José Van-Dúnem ou Sita Valles. 

Na festa sangrenta do triunfo dos golpistas, muitos não hesitariam em matar fosse quem fosse. Sim, houve detenções abusivas, justiça pelas próprias mãos, erupções sangrentas de tribalismo. No meio da tragédia e do descalabro causados pelos golpistas, era impossível evitar estas situações. Vocês querem mesmo pôr as tripas ao sol de um dos mais trágicos acontecimentos vividos pelo Povo Angolano? Fazem mal. Porque não vão conseguir enganar os angolanos com comissões iníquas, propaganda barata ou condecorando Monstro Imortal, o chefe militar do golpe. Os meninos do Sandokan e do Sabata eram a maioria dos putos dos golpistas.” (Fim de citação)

Hoje, 43 anos decorridos, Artur Queiroz continua vestindo o capuz de carrasco do 27 de Maio: está-me julgando em hasta pública porque, na sua visão troglodita, o 27 de Maio ainda não terminou nem vai terminar jamais. É preciso continuar a prender e a matar os nitistas. E eu sou um deles, não sou, Artur Queiroz? Por ter entrado para o MPLA em 1975, antes da Independência, por ter andado nas FAPLA e por ter dado o meu contributo como intelectual, defendendo a excelência da poesia de Agostinho Neto, tanto em Angola, como nos areópagos internacionais, sou detractor da memória de Agostinho Neto e inimigo número um da República de Angola e do MPLA?

Quer dizer, se estivéssemos no pós 27 de Maio e Queiroz estivesse em Luanda a escrever, eu seria fuzilado no cemitério do 14, em plena noite sem estrelas. Toda a minha vida dedicada ao meu país, a viver do meu salário (nunca comi do tacho milionário da Sonangol, nem levei o dinheiro do Povo Angolano para qualquer paraíso fiscal), hoje o Queiroz usa e abusa do meu nome para defender o indefensável: para tentar provar que a resposta à tentativa de golpe de Estado foi legítima ao ter ceifado as vidas de milhares de adolescentes, muitos dos quais sem causa? Estas atoardas fascistóides apenas podem ser lidas pelo crânio putrefacto de António de Oliveira Salazar, nunca pelo meu cérebro. Que Artur Queiroz vá a Santa Comba Dão, perfure a campa do antigo primeiro-ministro português e lá introduza todas as catilinárias que tem arremessado contra a minha imagem de homem de Letras e o meu percurso de patriota, porque é lá onde elas cabem. Aqui em Angola não, ó Queiroz. Respeite a memória dos putos mortos. As crianças são inimputáveis. Mesmo que Nito Alves tenha feito o que você diz, ainda assim, não se prende, não se tortura, não se mata crianças. 

Toda essa ficção histórica de Artur Queiroz cada vez mais o aproxima do limo apodrecido da História do nosso país, que teve em António de Oliveira Salazar o nosso carrasco do pós 4 de Fevereiro e do pós 15 de Março de 1961. 

Em que é que você, ó Queiroz, é mais patriota do que eu? 

Quando, nos meus artigos, levantando questões cruciais da História angolana que devem ser esclarecidas e postas num Memorial, estou apenas reproduzindo a voz do povo. Você está a julgar o José Luís Mendonça em hasta pública, mas da sua boca só sai merda seca que está a resultar num efeito boomerang: quem sai prejudicado é o próprio MPLA. A acção de Artur Queiroz assemelha-se mais a de um agente infiltrado para desestabilizar o próprio MPLA e o Governo de João Lourenço! Ao que isto chegou, camaradas!

Na sua ânsia de mostrar trabalho, Artur Queiroz escreveu: “O que fazer com aqueles putos usados pelos fraccionistas? (…) Os que fugiram, tornaram-se mais suspeitos e foram procurados até serem também detidos. É assim que se combate um golpe militar com aquelas características. (…)

Sim, houve detenções abusivas, justiça pelas próprias mãos, erupções sangrentas de tribalismo”. Estes actos não configuram o chamado terrorismo de Estado? 

Pópilas! Artur Queiroz tem os neurónios insuflados de kryptonita. Então está a afirmar publicamente que é assim (com erupções sangrentas e a morte de crianças inimputáveis) que se combate um golpe militar? Está Artur Queiroz a dizer que, sob a égide do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, foi assim que se combateu o golpe militar? Então, quer que eu prove o quê?