MPLA, UM PARTIDO DE “PEDESTRES”?

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Um dia depois do secretariado do seu Bureau Político ter aprovado uma declaração de reconhecimento ao músico Waldemar Bastos, falecido segunda-feira em Lisboa, a liderança do parlamento, que é o mesmo que dizer o MPLA, inviabilizou a aprovação, pela Assembleia Nacional, de uma nota que ia no mesmo sentido.

A razão por detrás desse estranho quanto surpreendente bloqueio não foi evitar uma repetição. Nem podia ser. MPLA é MPLA, Parlamento é Parlamento. E embora seja maioritária na casa, a bancada parlamentar do MPLA não se pode confundir com o Parlamento. O bloqueio também não foi motivado, exclusivamente, pelos amuos de alguns dirigentes do MPLA por força de desabafos que, amiúde, o falecido músico fazia à (má) gestão do país.

Na sua primeira reação à morte de Waldemar Bastos, o MPLA agiu com a elevação que se impõe. A declaração foi prova disso. 

Nandó: o presidente da Assembleia Nacional engavetou a proposta da UNITA para poupar embaraços ao MPLA, seu partido

Waldemar Bastos foi um dos expoentes máximos da música contemporânea angolana, que ajudou a desenvolver com notável qualidade e verdadeiro sentido patriótico, retratando, de forma peculiar, a realidade sociocultural, a beleza e os encantos de Angola”, dizia o comunicado do secretariado do Bureau Político na segunda-feira, 10.

O mote do volte face do MPLA na terça-feira foi o facto de a proposta para o voto de pesar ter partido da bancada da UNITA. 

Naquele dia, o vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, Maurílio Luiele, submeteu ao presidente da AN, Fernando Dias dos Santos, “Nandó”, um requerimento sobre o voto de pesar. 

O Grupo Parlamentar da UNITA vem por meio desta propor, ao abrigo do art.º. 132 do Regimento da Assembleia Nacional, a inclusão, no período antes da Ordem do Dia da 8ª Reunião Plenária Extraordináriaria da 3ª Sessão Legislativa da IV Legislatura da Assembleia Nacional, a ter lugar hoje dia 11/08/2020, de votos de pesar da Assembleia Nacional pelo passamento físico do cantor angolano Waldemar Bastos, ocorrido ontem, dia 10/08/2020 em Lisboa. O contributo dado por Waldemar Bastos à afirmação da angolanidade é digno desta referência pelo que estamos certos de que este requerimento merecerá da vossa parte e do Plenário da Assembleia Nacional o competente deferimento”.

Ao requerimento, Luiele e os seus colegas acrescentaram um draft do que a nota com votos de pesar devia dizer. 

No rascunho, a bancada da UNITA sugeria que na nota de pesar ficasse expresso que “Waldemar Bastos desempenhou com particular intensidade e paixão a missão a que se propôs de divulgar a cultura nacional por meio da música, o que foi reconhecido por todos como atestam as várias distinções de que foi alvo de onde se destacam os prémios New Artist of de Year” dos World Music Awards em 1999 e o Prémio Nacional de Cultura e Artes, a mais importante distinção do Estado angolano no domínio da cultura, em 2018, exemplos bastantes que atestam que Waldemar Bastos foi inquestionavelmente um dos exímios representantes da música angolana.”

Para esconder o embaraço que lhe causaria a aprovação de uma proposta da UNITA, a presidência da AN, detida pelo MPLA, optou por não dar provimento aos pedidos submetidos por Maurílio Luiele. Desse modo, o MPLA conseguiu esconder, mais uma vez, a inércia e a falta de visão que tomaram conta da sua bancada.

Com isso, o MPLA acabou também por pôr em risco toda a equipa, ao invés de colocar os “infectados”  em “isolamento social”. Pior do que isso, o MPLA mostrou que em matéria de democracia, liderança e boa governação tem duas mensagens: a que exibe quando lhe convém parecer comprometido com todos os angolanos, e a que deixa escapar quando outra força política lhe toma a dianteira. Um partido bipolar, como sugeriu a socióloga Luzia Moniz.

Há uns anos, o MPLA teve comportamento idêntico: inviabilizou a observância de um minuto de silêncio em memória de Aimé Césaire, o ideólogo da Negritude nascido na Martinica, porque a proposta partira da FNLA. 

Naquela altura a pergunta que andou na boca do povo foi: o que é que aquele político e actvista da Martinica tinha feito contra o MPLA, para merecer um gesto tão hostil?

Hoje apetece fazer a mesma pergunta aos deputados do MPLA: o que vos fez Waldemar Bastos, para que recusassem dar corpo a uma homenagem que Angola reconhece como justa?

De tudo isso só se pode concluir que, embora permaneça o mesmo na sua na essência, na forma, o MPLA piorou. E como piorou.! E não se vislumbram grandes possibilidades de regeneração.

Parece um partido sequestrado por políticos pedestres.