SANTANA: “PRIMEIRO” FILME DE ACÇÃO ANGOLANO

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“Santana” não é, historicamente, a primeira grande longa-metragem de acção policial do cinema angolano. É tão somente o “primeiro” filme de acção angolano, o que tem qualidades técnicas e estéticas que lhe permitem se posicionar no topo das realizações da sétima arte cá do burgo.  

Estreado sem pipocas no dia 28 de Agosto no Clube S, junto ao embarcadouro do Mussulo, esta criação da Giant Sables Media Entertainment, conta a história de Matias e Dias Santana, dois irmãos envolvidos numa aventura rocambolesca, à boa maneira hollywoodiana, assim com aquele frenético ribombar das balas em espaços como o salão de festas, misturando kuduru e sangue aos borbotões, que nos remete para a inverosímil imunidade de John Wick, ou aquelas cenas de quase lua de mel, em que James Bond (007) ainda tem energia suficiente para ejacular no rio de águas nocturnas da bela dama.

Todo esse enredo e muito mais, sendo o muito mais o apego à identidade cultural do país que viu nascer os irmãos Santana, fazem do filme uma aposta séria na performance e experiência dos actores angolanos da estirpe de Paulo Americano (Paulo Máquina) e Raul do Rosário, os dois irmãos em busca de vingança pela morte da mãe, décadas atrás, no início do celulóide, era ainda Matias um menino imberbe e Dias um simples feto retirado do ventre de Dona Isabel Santana (a actriz Isabel André), atingida a tiro por um bandido que se introduzira no lar da família.

A projecção de imagens se mistura, logo de início, com a portentosa música de Bonga. E todo o espaço do “movie sound-track” é preenchido com os sons da terra, o que vem provar que nem só a música clássica europeia é que é boa para animar a acção de um bom filme. Aliás, “Santana” realiza um perfeito casamento africano entre o cenário e a música. O alembamento pode ser considerado o feitiço (wanga) que quase matava Dias Santana. 

A forte presença da realidade social e económica da África do Sul, país com evidentes semelhanças geo-espaciais e comportamentais em relação a Angola, aporta ao filme uma certa dose de multi-culturalidade, não fosse o recurso à indústria do monstro do Cabo das Tormentas uma mais valia que empresta a “Santana” todo o encanto figurativo das cenas especiais e o suspense em torno da praga universal do narcotráfico.

Esta é uma ficção sobre crime e castigo, parafraseando Fiodor Dostoievski. O crime é a morte de Dona Isabel. O castigo é aplicado pela acção concertada dos dois agentes da DNIC – Direcção Nacional de Investigação Criminal, os irmãos Dias e Matias Santana. Cá temos um problema global, da Humanidade inteira, o narcotráfico, quase sempre associado a outro, também planetário, o tráfico de mulheres, só passíveis de impunidade em larga escala, por via da corrupção pandémica que grassa entre as autoridades que governam este mundo. A todos esses fenómenos de crime organizado o filme aponta o dedo. E mostra que a única forma eficaz de combatê-los é através da cooperação entre a polícia de investigação criminal e o exército, agindo mesmo o general Matias com a farda militar, numa simbologia do método dessa cooperação.

A única decepção que invade o telespectador é a permanência sob a antiga aura de inocência do patrão sul-africano do cartel do narcotráfico. Quer dizer: nem todo o crime tem castigo. Principalmente esse, que faz circular a cocaína na África Austral e a exploração sexual das jovens deste sub-continente, outra forma de escravatura moderna

Cinema é vida. A vida tem Arte. E Factos. A vida é um artefacto que o cinema desmonta num roteiro e recicla no palco do imaginário. Tudo muito bem, tirando um certo exagero de diferimento da violência por diferentes cenários e com diversos tipos de armas, incluindo as brancas, como já vimos, por exemplo, no Equalizer de Denzel Washington, este “Santana” ousou exibir sexo explícito na sua mais pura nudez glútea e ousou “matar”, no desfecho de todo o tiroteio, em plena berma da estrada, com o sol a puxar para o céu o esplendor do capim, ousou “matar” um dos heróis, o Matias, para compensar o destino cármico de ter “abandonado” o irmão órfão. 

Palmas para as belíssimas actrizes de “Santana”, para o actor Cigano Satyohamba, que empresta ao enredo aquela dose de humor necessária e ao realizador Maradona Dias dos Santos, bem como aos restantes actores que este artigo saúda, desde esta página virtual.

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José Luís Mendonça
Escritor, jornalista e docente de língua portuguesa, reparte as suas múltiplas competências académicas e intelectuais pelas áreas de formação contínua, o ensino e o activismo cultural pelo fomento do livro e da leitura