O que houve de criticável na resposta de João Lourenço à pergunta sobre uma putativa coligação patriótica foi apenas a troca de papeis: aquela pergunta foi dirigida ao presidente do MPLA e não ao Titular do Poder Executivo e nem ao Chefe de Estado.
Tendo-se deslocado ao Kuito como TPE para a inauguração de um empreendimento público, João Lourenço deveria abster-se de responder àquela pergunta ou remete-la a ocasião em que estivesse nas vestes de líder partidário.
De resto, embora infeliz, a metáfora de amigos e vizinhos não teve nada de surpreendente.
João Lourenço e o seu MPLA olham para a oposição com desprezo.
Em Abril de 2017, era ministro da Defesa e candidato do MPLA às presidenciais quando, em visita partidária a Maputo, João Lourenço qualificou como “malandros” os grupos políticos que, em Moçambique e Angola, aspiram à alternância do poder.
“(…) os malandros são unidos. Quer os de dentro, quer os de fora, eles são unidos. São unidos e não dormem, andam todos os dias a pensar na forma como derrubar a Frelimo, como derrubar o MPLA”.
Portanto, quando olha para Adalberto da Costa Júnior, Abel Chivukuvuku, Benedito Daniel ou qualquer outro dirigente da oposição, João Lourenço enxerga um um mandrião, um indolente, umladrão, um gatuno, um marginal. E ele não só despreza essa “raça”, como não lhe reconhece capacidade nenhuma para desalojar o MPLA do poder. Daí a arrogante afirmação de que «…Se concorrendo sozinhos não têm a capacidade de enfrentar o MPLA, o que tenho a dizer é que estão no direito de chamar os amigos e os vizinhos para os ajudar a derrotar o adversário!»
Descontada a deselegância e a arrogância embutidas, não há na afirmação de João Lourenço nada que não seja óbvio.
João Lourenço tem como certo que, nas circunstâncias actuais, só uma hecatombe ou uma extraordinária combinação de factores imprevistos o afastariam da vitória no próximo desafio eleitoral.
João Lourenço sabe que joga contra si a severa crise económica e social dos dias de hoje. Sabe que milita contra si uma opinião pública cada vez menos disponível para engolir embustes enrolados em promessas eleitorais mirabolantes, mas inexequíveis, como sãos os milhares de postos de trabalho prometidos e não conseguidos no mandato que agora caminha para o fim.
Mas João Lourenço tem a seu favor o acesso irrestrito ao cofre público; tem sob apertado controlo a máquina eleitoral (há de haver um forte motivo para o TPE teimar em construir um edifício novo para a Comissão Nacional Eleitoral aí a escassos metros do palácio presidencial; por alguma razão o TPE apostou todas as fichas em Manuel Pereira, Manico, um indivíduo que deixou um vistoso rasto de desvios de dinheiro público na Comissão Provincial Eleitoral de Luanda, a que presidiu por “décadas”). João Lourenço tem a seu favor todo o aparato comunicacional público; marqueteiros brasileiros já que estão faz tempo, calcorreando o país em recolha de imagens para, em vésperas e no período eleitoral, “venderem” aos angolanos um país inexistente.
Mas o maior dos trunfos de João Lourenço e do seu MPLA é a oposição. Como diriam os brasileiros, o MPLA e o seu presidente têm a oposição que pediram a Deus.
Na verdade, é impossível imaginar uma oposição mais prestável ao partido da situação do que a angolana.
A rigor pode dizer-se mesmo que UNITA, PRS, CASA – CE e FNLA fazem oposição do faz de conta.
A oposição real ao MPLA e seu Governo deu o último suspiro de vida no dia 22 de Fevereiro de 2002, quando o corpo de Jonas Savimbi foi atravessado por balas disparadas por soldados comandados pelo hoje General Wala.
Desde 1992 que a UNITA invariavelmente contesta os resultados das urnas. Mas o que também acontece, invariavelmente, é que à contestação dos resultados sucede-se a ocupação dos assentos no Parlamento. Desde 1992, que a UNITA não avaliza nenhum Orçamento Geral do Estado. Mas o que tem acontecido desde então é que a UNITA sempre recebeu, com as duas mãos, as esmolas que o Governo lhe destina e aos restantes companheiros.
Sem qualquer oposição que valha o nome, Angola tornou-se num parque de diversão do MPLA e do seu líder. Um parque em que ditam e impõem as regras de jogo.
Por exemplo, ao MPLA e ao seu líder não apeteceu eleições autárquicas neste ano de graça de 2020. E não há, sequer, a preocupação de harmonizar uma justificação. O TPE usou a boca do seu auxiliar da Administração do Território para endossar o adiamento sine die das eleições autárquicas à ausência de um quadro legal para a sua realização. Mas, para o secretário dos Assuntos Políticos e Eleitorais do mesmíssimo MPLA, as causas do adiamento são outras. Mário Pinto de Andrade disse num recente debate televisivo que as autárquicas foram empurradas para um futuro incerto a conselho de “países vizinhos”…
Por ter o total controlo da situação, o MPLA já nem se preocupa em uniformizar o discurso. Naquele saco de gatos em que se transformou o MPLA, cada um diz da sua sentença… porque dali não vem consequência nenhuma.
Em qualquer outro país do mundo onde não se brinca aos partidos, as contradições do MPLA teriam dado “combustível” bastante à oposição para barafustar, aquecer os ouvidos do partido governante até obriga-lo a honrar compromissos apalavrados.
Mas entre nós o que aconteceu? Nada!
A UNITA resmunga entre dentes, mas disso não passa. O PRS e mais os outros dois simulacros de oposição (CASA-CE e FNLA) enfiaram a viola no saco e remeteram-se ao mais ruidoso dos silêncios. Numa palavra, os partidos na oposição engoliram mais um sapo do MPLA, ainda por cima servido sem qualquer tempero para lhe amenizar o mau odor e o terrível sabor.
Feita joguete às mãos do MPLA, a oposição por vezes se supera ao próprio dono. Foi o que aconteceu, por exemplo, com uma sugestão do deputado David Mendes sobre desobediência civil.
O homem forte do PRS não precisou de ”ordens superiores” para bradar contra a ideia do deputado independente da UNITA. Benedito Daniel viu na sugestão uma “perigosa” ameaça à paz e tranquilidade nacionais.
Em suma, vamos repeti-lo, ao MPLA e seu líder não podia sair na rifa melhor oposição.
Aqui entre nós – e que ninguém nos “ouça” – alguém no seu perfeito juízo pode mesmo levar a sério uma oposição em que pontificam figuras como Benedito Daniel, cujo conceito de federalismo ninguém percebe muito bem, Lucas Ngonda, já bastante consumido pela idade avançada ou, episodicamente, um charlatão chamado Contreiras?
O comportamento do “cão pontapeado pelo dono” dos partidos na oposição começa a contagiar a sociedade civil. As declarações da bastonária da Ordem dos Médicos de Angola a propósito da manifestação do último fim de semana são uma humilhação.
Com aquelas declarações, Elisa Gaspar disse, finalmente, ao que veio: a missão dela é transformar a Ordem dos Médicos em mais um braço do MPLA.
Ainda bem que médicos honrados como Matadi Daniel e outros se demarcaram de modo inequívoco da vergonhosa posição da bastonária.
Nas palavras do conceituado nefrologista, depreende-se que doravante Elisa Gaspar tornou-se numa persona non grata na classe.
Elisa Gaspar condenou-se a andar cabisbaixa.
Em países onde os cidadãos não se acotovelam em redor de contentores de lixos à cata de restos de comida, esta semana Elisa Gaspar teria a espera-la, nos corredores da Ordem dos Médicos de Angola ou em qualquer espaço público onde ousasse pôr os pés, uns bons cestos de ovos podres.