Agora já pode?

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Na terça-feira, 2 de Março, o Presidente João Lourenço apresentou uma proposta de revisão pontual da Constituição, que teria como fim “preservar a estabilidade social e a consolidação dos valores fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito”.

A proposta do Presidente da República incide, nomeadamente, em:

a)  Clarificação do modelo de relacionamento institucional entre o Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, e a Assembleia Nacional, no que respeita à fiscalização política; b) Consagração do direito de voto aos cidadãos angolanos residentes no exterior; c) Afirmação constitucional do Banco Nacional de Angola como Entidade Administrativa Independente do Poder Executivo; d) Eliminação do princípio do gradualismo como um princípio constitucional condutor do processo de institucionalização efectiva das autarquias locais e e)  A constitucionalização de um período fixo para a realização das eleições gerais.  

No dia 28 de Junho de 2019, João Lourenço disse em entrevista a Nok Nogueira, então ao serviço do Novo Jornal, e a Luís Caetano, da TPA, que não tinha capacidade de provocar uma revisão constitucional que alterasse o relacionamento do Presidente da República com a Assembleia Nacional. 

Ora, é exactamente a clarificação da relação entre os dois órgãos de soberania que encabeça a proposta constitucional de João Lourenço.

Em 2013, através do Acórdão 319/13, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais quatro artigos do Regimento da Assembleia Nacional e em consequência proibiu os deputados de de fiscalizar os atos de governação do executivo.

Na entrevista de 28 de Junho, João Lourenço disse que a alteração desse Acórdão só poderia ser suscitada pela Assembleia Nacional. Na proposta que apresentou terça-feira ele pede “Clarificação do modelo de relacionamento institucional entre o Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, e a Assembleia Nacional, no que respeita à fiscalização política”.

Perante esse novo cenário, impõem-se algumas perguntas: o que houve? O Presidente da República invadiu terrenos da competência exclusiva da Assembleia Nacional ou exerceu poderes próprios?

Também na terça-feira, a  UNITA, a maior bancada na oposição parlamentar, contrapôs à iniciativa de revisão constitucional do Presidente da República, os seguintes pontos:

1. Revisão da Constituição;

2. Revisão da Lei Eleitoral;

3. Consolidação da Reconciliação Nacional;

4. Institucionalização do Poder Autárquico;

5. Reorganização do Poder Judicial e Consuetudinário

Após considerar que “numa fase pré-eleitoral uma revisão da Constituição pode levantar suspeições, podendo ter como objectivo a não realização das eleições gerais de 2022, a menos que esta vise desencadear um amplo consenso nacional sobre questões que preocupam a sociedade em geral”, o partido do Galo Negro entende que uma revisão da Constituição, em base a um amplo diálogo nacional”, que contemple, nomeadamente: 

1. A eleição directa do Presidente da República;

2. Os poderes excessivos do Presidente da República;

3. A alteração dos símbolos nacionais;

4. A retomada da soberania da Assembleia Nacional;

5. A proibição de acumulação de funções dos governadores provinciais, administradores municipais e comunais, acumularem com funções partidárias;

6. A introdução da composição paritária da CNE na Constituição, entre outros.

Pontos fracturantes

Logo após o anúncio da proposta de revisão pontual da Constituição, da iniciativa do Presidente da República, começaram a circular nas redes sociais aquilo que se supõem virem a ser os pontos fracturantes decorrentes da iniciativa de João Lourenço. Seriam eles:

1. Estado Unitário v Federalismo – proposta do PRS (sem motivo porque o estado unitário é limite material da CRA);

2. A Propriedade da Terra (PRS, UNITA, CASA etc);

3. Possível aumento do anos de mandato do PR (de cinco para sete anos) ou aumento do número de mandatos de dois para três;

4. Incluir na Constituição as situações de Estado de Calamidade (suprindo as lacunas de hoje);

5. Debate sobre o conceito de família (a CRA diz que é entre homem e mulher), legalizando ou não o casamento poligâmico (que na prática será formalizar uma instituição que já existe desde que África é África e está regulada no Direito Costumeiro);

6. Adopção ou não do casamento homossexual (o lobby gay – quarto mais poderoso do mundo – vai gastar milhões tentando que Angola seja o segundo Estado em África a legalizar). Este será o debate fracturante – e desvio de atenções – da Revisão Constitucional;

7. Uniformizar na Constituição a idade de jubilação dos juízes dos Tribunais Superiores;

8. Reformar o funcionamento da CNE para evitar domínio das maiorias parlamentares;

9. Especificar quais os poderes alegadamente excessivos que devem ser retirados do PR (exonerar o PGR, exonerar o Governador do BNA, nomear o Presidente do Tribunal de Contas – o fiscalizado nomeia o fiscalizador-, definir o papel dos Governadores de província – que com as autarquias passam na prática a serem “governadores civis” etc;

10. Como criar um efectivo sistema de check and balance e reforçar o papel da Assembleia Nacional . A introdução da possibilidade de serem usados os “requerimento potestativo” nas Comissões de Inquérito Parlamentar, pode impedir que as maiorias continuem a bloquear quando quiserem a fiscalização ou inquéritos em questões estruturais.

O autor desse exercício termina com a máxima da sabedoria popular segundo a qual um “país se desenvolve quando os mais velhos plantam árvores, mesmo sabendo que nunca irão sentar a sua sombra”.