Revisão constitucional: afinal, o que esconde o artigo 110 ?

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Basicamente, são três os eixos das propostas de revisão constitucional e de interesse geral e imediato.

A forma de que se reveste é designada “Proposta de Revisão Constitucional” e a espécie, a revisão ordinária. Essa operação produz modificações na ordem constitucional, pois altera, suprime e faz aditamentos.

O sentido de oportunidade da revisão é justificado na peça argumentativa da proposta com as circunstâncias e tempo, modificações ocorridas na dinâmica da vida da sociedade e numa alegada insatisfação desta com a constituição.

Quanto à técnica legislativa empregue, a redação vai de imprecisa a eventualmente imperceptível, sendo que é sempre recomendável a clareza, a concisão e a previsão.

A lei deve merecer um  tratamento gramatical que não deixe dúvidas, a ponto de necessitar de esclarecimentos adicionais ou uma posterior retificação. A metodologia seguida obedece ao ordenamento estrutural da Constituição original (não se esperava por parte do  legislador derivado que alterasse a arquitetura ou o desenho da Constituição), ou a inobservância dos limites materiais. Limites esses dos quais destaca-se o núcleo dos direitos, liberdades e garantias (matéria que trata a al. e do artigo 236) e outros, como o Estado de Direito e a democracia pluralista(al. f) bem assim como a dignidade da pessoa humana (al. a ). 

Ao artigo visado na operação de revisão e que diz respeito à questão de “elegibilidade” e “inelegibilidade” (matéria tratada no artigo 110, 1 e 2, incidindo especialmente na al. a), sugere-se aqui a introdução de uma nova figura, a do impedimento. Na verdade, inelegibilidade importa em algum tipo de impedimento do agente passivo, não lhe impedindo, porém, de tutelar outros direitos.

O legislador derivado, no escopo da revisão, deixa em aberto a al. a) do citado artigo 110, uma matéria que o legislador original constituinte esgotou em dois números. 


《As quarenta propostas do MPLA apresentadas ao Parlamento podem refletir apenas a expressão de uma vontade autocrática do Presidente, menos uma necessidade real de superar vicissitudes nos articulados da Constituição

Resumidamente, será a proposta de maior potencial de discórdia (aqui trata-se de uma questão imanente ao quadro político do país), muito sensível à luz dos últimos acontecimentos no mosaico político do país.

Desde logo, mesmo que os autores da proposta reclamassem boa fé, não ficariam isentos do olhar crítico, não somente dos partidos políticos da oposição e seus putativos candidatos, como da sociedade em geral.

Segundo: ainda que, no limite, essa boa fé exista, é impossível perscrutar se a vontade declarada é realmente genuína ou venha a surpreender, remetendo a matéria para a legislação ordinária.

Depois, porque não poderia justificar-se ou fazer-se compreender, em virtude de já existirem, no leque da legislação ordinária, diplomas que regulam as eleições (lei orgânica das eleições geraislei 36/92, de 21 de Dezembro), e  a lei dos Partidos Políticos(15/92, de 11de Maio). A lei não é dirigida a um determinado sujeito do direito, vulgo “legislar à fotografia”, daí que surjam dúvidas fundadas sobre a real intenção do legislador derivado, no que respeita a matéria de elegibilidade e inelegibilidade, subitamente num contexto pré-eleitoral.

As dúvidas adensam-se na medida em que o tema Revisão Constitucional passou a preencher as parangonas da comunicação social pública. O sentido das manifestações é único, com abundantes louvores ao legislador derivado. Adicionalmente, nota-se nenhum esforço em expurgar os excessos de poderes do Titular do Poder Executivo. Antes pelo contrário, há uma tentativa de afirmar a sua supremacia sobre os outros poderes. Sobretudo uma supremacia legislativa em relação à Assembleia Nacional, visível pelo menos nos casos da nomeação do governador e vice-governadores (al. j do artigo 119) do Banco Nacional de Angola ou no caso da “Situação de Calamidade Pública”, que, na sugestão da PRC, prevê que o Presidente só consulte a Assembleia Nacional uma única vez, podendo a partir daí isentar-se de ouvi-la. 

A supremacia do Presidente afirma-se ainda no campo jurídico, em que nomeia quase metade do Tribunal Constitucional, incluindo aí o Juiz

Presidente, igualmente o Juiz Presidente do Tribunal Supremo, entre outras figuras-chaves do sistema judicial.

Há ainda o poder procastinador do Presidente que pode usar em certas circunstâncias. As quarenta propostas do MPLA apresentadas ao Parlamento podem refletir apenas a expressão de uma vontade autocrática do Presidente, menos uma necessidade real de superar vicissitudes nos articulados da Constituição.