Nos anos 80, o actual PCA do IGAPE exibiu o seu passaporte português para se furtar ao cumprimento do serviço militar obrigatório. Depois de deambular por Portugal e arredores, regressou e hoje tem tratamento de vedeta no Ministério das Finanças
O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) disse, em nota distribuída no final de semana, que a nomeação de Patrício Bicudo Vilar, presidente da sua Comissão Executiva, para representar o Estado no Conselho de Administração do Standard Bank Angola (SBA) não está ferida de qualquer ilegalidade.
Na nota, presumivelmente escrita pelo punho do próprio presidente do seu Conselho de Administração, o IGAPE afirma não existir “qualquer impedimento legal à nomeação de Patrício Vilar, em representação do Estado”.
O comunicado do IGAPE é uma reacção a “notícias veiculada por ”alguns Órgãos de Comunicação Social sobre um suposto conflito de interesses e violação da Lei de Base das Instituições Financeiras (LBIF) resultantes da indicação” do presidente do seu Conselho de Administração para o cargo de Administrador Não Executivo do Standard Bank Angola.
No documento, em que Patrício Vilar advoga em causa própria, o IGAPE reputa de “falaciosa” a alegação de que as funções anteriormente exercidas por Patrício Vilar na Comissão de Mercados de apitais (CMC) e na Bolsa da Dívida e Valores de. Angola (BODIVA) tenham conferido ao seu presidente informação privilegiada “tendo em conta o período que medeia entre o exercício dessas funções e a designação que agora se pretende materializar, pois o mercado financeiro é uma realidade dinâmica”.
A indicação de Patrício Bicudo Vilar para representar o Estado no Conselho de Administração do SBA pode não estar ferida de ilegalidade. Mas eticamente é insustentável.
Apesar de ser o fiel depositário de 49% das participações sociais das AAA Activos, na sequência da sua apreensão pelo Serviço. Nacional de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República, não há dispositivo legal algum que impõe a obrigatoriedade de o IGAPE ser representado pelo seu PCA no Conselho de Administração do SBA. Além de que seria de todo preferível que o Estado se fizesse representar no CA da SBA por pessoas com larga experiência bancária, o que não é claramente o caso do PCA do IGAPE.
Mas é no campo da decência e da coerência que a porca torce o rabo.
Se fosse um sujeito coerente e decente, Patrício Bicudo Vilar não só nunca se auto-indicaria para o CA do SBA, mesmo que na condição de administrador não executivo, como declinaria qualquer convite que lhe fosse feito para preencher esse lugar. A representação do Estado em instâncias como conselhos de administração de instituições bancárias ou outras do mesmo nível deveria ser exclusivamente reservada a cidadãos angolanos. Não é o caso do PCA do IGAPE. Ele próprio provou-o documentalmente.
Na segunda metade dos anos 80, o país estava sobre brasas, enfrentando invasões e agressões do exército sul-africano. Foi nessa altura que, Patrício Bicudo Vilar, então a fazer o curso médio de Planeamento no Instituto Karl Marx, foi chamado para integrar as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA). Nessa altura, “ir à tropa”, como então se dizia, era considerada o principal compromisso da juventude para com a Pátria.
Reunindo todas as condições físicas e mentais para ser enquadrado, Patrício Vilar escapuliu-se, entretanto, ao “dever” porque provou, documentalmente, que era cidadão português. Para o inflexível capitão Hugo dos Passos, chefe do CRM, abrir mão de Patrício Vilar foi uma imensa dor.
O então chefe do CRM não tremia e nem se deixava impressionar perante documentos de várias instituições públicas implorando adiamentos para os seus funcionários.
De modo que, para Hugo dos Passos, livrar o jovem Patrício Vilar do cumprimento do serviço militar obrigatório foi doloroso. Ainda estão vivos muitos jovens que testemunharam o momento em que Patrício Bicudo Vilar “esfregou” na cara de um atónito Hugo dos Passos o documento com o qual virava as costas à Pátria.
Tendo-se esgueirado do cumprimento de um dever considerado patriótico, Vilar logo conseguiu uma bolsa de estudo do INABE à sombra da qual vagueou por Portugal e arredores durante anos.
São esses jovens, já feito homens, que hoje assistem, também eles atónitos, o mesmíssimo Patrício Vilar a acumular cargos e rendimentos no mesmo país que um dia ele renegou.
No final de tudo isso e mesmo que a razão de todas as prebendas a Vilar decorram da falta de memória de alguns, sempre se poderá perguntar se não há angolanos aptos a representar o Estado no Conselho de Administração do SBA; também se pode questionar se não há nenhum angolano com capacidade para dirigir o IGAPE.
Ver hoje, na Angola pacificada também graças ao sacrifício e mesmo o sangue daqueles jovens que testemunharam aquele momento no CRM, o mesmo Patrício Vilar a colecionar cargos e rendimentos em empresas de capital público é um insulto e um ultraje àqueles que se bateram por este país.
A oferta a Vilar de tantas e tão cobiçadas funções prova não só a falta de memória, mas também que, em muitos sectores vitais do país, a liderança foi entregue a pessoas que, há duas décadas ou pouco menos, eram bebés de colo, que eram alimentados com bibes pendurados ao pescoço.
Até chegar à presidência do IGAPE, em 2019, cargo a que agora juntou a função, remunerada, de administrador não executivo do Standard Bank Angola, Vilar presidiu à Comissão de Mercado de Capitais (2016 – 2019). Foi administrador da Comissão de Mercado de Capitais, para o pelouro de emissões e investimentos e, depois, consultor do Gabinete do Vice-Ministro do Comércio.
Enfim, nada mau para quem, nos anos 80, entendeu que lutar contra os invasores sul-africanos não era tarefa para ele…
Depois de experimentar as delícias de quase todas as áreas do sector, pode dizer-se que à mais cintilante das estrelas do Ministério das Finanças agora só falta a cadeira onde se senta a ministra Vera Daves. E ambição não lhe falta!
