Não há democracia com fome

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Pensando na situação que se vive no país, com o agravamento das condições de vida (sobrevivência, na verdade…) os comportamentos sociais; extenuadas as forças e a massa patrimonial das famílias menos equipadas financeiramente, o desespero.

Não havendo famílias, não teremos sociedade; as famílias abastadas  compenetrem-se que em  a última razão os pobres vão invadir os condomínios dos  ricos  em busca de uma refeição. 

O resultado será a instabilidade, sem dúvidas; acirramento dos ânimos, a ponto de um fósforo aceso incendiar a pradaria e só restará ao poder convocar o exército e a polícia para apagar o incêndio.

Tudo o que é comportamento social é política. A reconciliação nacional é o melhor caminho para a estabilidade, pressuposto da harmonia social e espiritual da nação, sem a qual outros caminhos são impossíveis de percorrer e perseguir e fora isso, a outra solução só pode vir por via da violência.

Uma perturbação ou provocação produzida por uma manifestação poderá inspirar a intervenção do exército e da polícia (e derramar sangue de cidadãos), o que, para além do choque psicológico, geral, poria fim à confiança dos cidadãos no poder político

Ora, abalada esta confiança; desmoronada a ordem social e política, significa, desde logo,  o fim da república democrática de direito. Demoraria tempo para a recuperar e sarar as feridas e nesse impasse de nada valerão  a Constituição e as leis.

Um período de instabilidade não representa somente o atraso de um país; é também um trauma (mais um… dos vários já vivenciados desde a proclamação da independência) e os traumas, colectivos, levam a um estado de paralisação do país e demandam novo tempo para a recuperação do animus e vontade de congregar esforços no sentido da  reunificação e edificação da sociedade.

Não pode haver felicidade num ambiente de permanente instabilidade, social, económica e política.

Sobretudo, não há como governar num clima de instigação ao ódio, xenofobia e provocações e no que resulta eficazmente dessa conduta; o medo colectivo de uma sociedade e o receio de um futuro incerto e inseguro, para o indivíduo, as famílias, os empreendimentos, os investimentos.

Desde logo, a paz é a vitamina de um país que persegue a harmonia e a coesão social, sem a qual (o contrário não resulta em nada além do atraso…), não prospera.

A Constituição, justamente, manda realizar o Estado Social (não é o mesmo que Estado gastador), que é equivalente a retirar dos menos favorecidos a possibilidade de uma vida humanamente suportável.

Com fome, não há democracia (o Papa Francisco diz mais: “Não há justiça com desigualdade”). Sobretudo, porque a fome humilha a pessoa. Depois, uma pessoa com fome vive um estado de necessidade extrema, próximo do desespero; e nesse estado de desespero é capaz de, em função desse mesmo desespero,  “roubar para comer.”

E não podendo, em desespero, tirar a própria vida, porque se a si próprio não poder alimentar-se; nem à sua mulher e aos filhos, o caminho a percorrer será o descaminho da vida.

E nem o FMI pagará as despesas dos óbitos com as suas teses; nem os governos que a elas aderirem poderão confortar a família do morto (de fome…) e o princípio constitucional “Angola é uma República baseada na dignidade humana” resultará em mero enunciado sem consequência.

Oxalá, Deus esteja com a sua atenção virada para Angola e os governantes, enfim, encontrem alguma luz.

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Kajim Ban-Gala
Jornalista, Escritor e Jurista.