Formalizada em carta que enviou na quarta-feira da semana passada ao presidente da Assembleia Nacional, a renúncia de Carlos Alberto Ferreira Pinto do cargo de Provedor de Justiça já era esperada há muito.
Na carta a Fernando Dias dos Santos “Nandó”, o renunciante estribou o anúncio em razões pessoais, nomeadamente o agravamento da saúde.
Não é esse, no entendimento, o entendimento de diferentes vozes da Provedoria de Justiça que relataram o assunto ao Correio Angolense.
Segundo essas fontes, a decisão de Ferreira Pinto de bater com a porta tem a ver, sobretudo, com a forma pouco digna como ele entende que a Provedoria de Justiça é tratada. Dizem que o agora renunciante ficou particularmente agastado com a forma, considerada desrespeitosa, como os Presidentes da República e do Tribunal Supremo conduziram o processo que culminou com o despejo da instituição do edifício construído especificamente para ele.
Em Março do ano passado, a Provedoria de Justiça foi desalojada do “habitat” e transferida para o 12. andar do edifício do Ministério da Justiça, onde não lhe foram criadas condições de trabalho condignas.
“E uma vez colocada ali, nem o Presidente da República, nem o Presidente do Supremo, ou qualquer órgão auxiliar do TPE, se dignaram saber das condições actuais de acomodação do Provedor de Justiça”, segundo lamentou uma fonte da PJ.

Para essa fonte, as condições ambientais de trabalho que a Provedoria encontrou no edifício do Ministério da Justiça “são inapropriadas e desgastantes. Ali praticamente nada funciona; aparelhos de ar condicionado disfuncionais, fraco arejamento, associado ao intenso calor produzido pela vidraça, numa espécie de estufa. Aliás, foi por causa de tudo isso que o Tribunal Supremo pressionou o Presidente da República para mudar-se para as instalações da Provedoria de Justiça. O Presidente do Supremo nunca, mas nunca mesmo usou a sala de trabalho que lhe estava destinada; trabalhava numa sala contígua, destinada ao presidente do Conselho Superior de Magistratura Judicial. A Procuradoria Geral da República e o Tribunal de Contas também estão a pressionar o Executivo para saírem do edifício do Ministério da Justiça”.
As fontes do Correio Angolense elencam, também, como putativas causas da renúncia de Ferreira Pinto os exíguos recursos financeiros que lhe são destinados.
“O orçamento já é uma miséria, mas mesmo para executá-lo o provedor tem de se desdobrar em cartas e pedidos à ministra das Finanças e aos Serviços de Apoio ao Presidente da República. É um incessante carpir de lágrimas junto de outras instituições”.
Ao Correio Angolense as fontes disseram que a ministra das Finanças, Vera Deves, em algumas ocasiões ignorou ordens do Presidente da República determinando o reforço pontual de verbas à Provedoria de Justiça.
Outra razão associada à renúncia de Ferreira Pinto seria a oposição da própria bancada parlamentar do MPLA à atribuição de um novo suplemento remuneratório ao pessoal técnico da instituição bem como a equiparação estatutária e salarial do Provedor de Justiça ao Procurador Geral da República.
“Ao contrário de todos os órgãos públicos, que assumiram funções em sede do presente consulado presidencial, nem o Provedor de Justiça e tão pouco o pessoal afecto ao seu gabinete receberam de viaturas de trabalho, valendo-se ele de meios de anteriores encargos públicos”, exemplificaram as fontes.
De acordo com as fontes do Correio Angolense, Ferreira Pinto andava também bastante incomodado com o excessivo protagonismo da sua adjunta, Florbela Araújo, que transitou da Assessoria Jurídica da Presidência da República.
Ao que dizem as fontes do Correio Angolense, Florbela Araújo não se cansava de alardear nos corredores da instituição o seu passado na Presidência da República, com o que se julgava habilitada a assumir a titularidade da Provedoria de Justiça. “A Dra. Florbela invoca incessantemente os seus 30 anos de trabalho na Presidência da República, a sua experiência de docente universitária e a especialização em relações internacionais”.
Florbela Araújo desdenhava abertamente do percurso profissional do seu superior hierárquico, que nos últimos tempos incluiu, apenas, actividade parlamentar e partidária.
No gabinete de Ferreira Pinto suspeitou-se mesmo que algumas barreiras que a Provedoria de Justiça encontrava junto de outras instituições, nomeadamente do Ministério das Finanças, seriam “plantadas” por Florbela Araújo.
Com a renúncia de Ferreira Pinto, Florbela Araújo assumirá a Provedoria de Justiça até ao final do presente mandato, no próximo ano.
As fontes do Correio Angolense não estabelecem qualquer link entre a renúncia de Ferreira Pinto e a proposta de revisão constitucional que retira a Provedoria de Justiça do rol das instituições essenciais à justiça.
Nos termos da proposta de revisão constitucional, a Provedoria de Justiça passa a integrar os chamados órgãos de Administração Pública.
“Retirar o Provedoria de Justiça do rol das instituições essenciais à Justiça é o melhor que poderia acontecer ao órgão, já que não tem mesmo nenhuma intervenção na Justiça. Ou seja, a justiça do Provedor é a que resulta da sua acção sindicante sobre a legalidade dos actos e omissões da Administração Pública, face a posições jurídicas subjectivas dos particulares. Pelo que, o ideal seria ter o Provedor de Justiça no capítulo dos direitos fundamentais, como acontece com o Provedor de Justiça português e com o Defensor del Pueblo espanhol. Porém, retirar o Provedor de Justiça do espaço institucional (instituição essencial à justiça) em que efectivamente não pertence, para o colocar no âmbito da Administração Pública, com o qualificativo orgânico-constitucional de entidade administrativa independente, está de muito bom tamanho”, esclareceu um jurista da instituição.
Membro do Bureau Político do MPLA e nessa qualidade coordenador da Comissão de Auditoria e Disciplina e mandatário da candidatura do seu passado ao último pleito eleitoral, Ferreira Pinto perdeu muito espaço no partido desde a eleição de João Lourenço.
Ferreira Pinto guarda mágoa do facto de o Presidente João Lourenço ter tomado partido por Joel Leonardo no despejo da Provedoria de Justiça do edifício construído especificamente para ela.