O “caso Chico Babalada” correu os seus trâmites na segunda secção da Sala Criminal do Tribunal de Comarca de Benguela e nesta terça-feira (27/04/2021) o tribunal achou culpado o arguido, Francisco Boavida Rasgado, jornalista, que vinha acusado nos crimes de injúria e difamação.
Os acusadores (o ex- governador de Benguela, Rui Falcão Pinto de Andrade, e o empresário Carlos Cardoso) pediram, a título de indemnização, respectivamente, um bilhão e cinco milhões de kwanzas. A sentença será ditada (quanta ironia !) no dia 03/05/2021 que, como é sabido, é o dia mundial consagrado à Liberdade de Imprensa.
O processo 027/2021 ficou constituído às vésperas da entrada em vigor do novo Código Penal angolano e colocou-se, com alguma redundância, a questão de se saber se seria julgado à luz de que legislação penal – a lei nova (LN) ou a lei antiga (LA).
A doutrina neste campo é comummente citada como defensora da não retroatividade (aplicação da lei no tempo) da lei. O que significa que o princípio é o da não “sobrevivência da norma” (dá-se aqui o fenômeno da ubiquidade), mas, ainda assim, aplicável a lei vigente por altura dos factos juridicamente relevantes.
Aplica-se a lei nova (LN), se favorecer o arguido. Este processo ascendeu à categoria de “caso mediático” (não era para tanto) e com repercussão nacional e internacional, não por razão da relevância da matéria em julgamento, substantiva, mas na matéria adjectiva (processual).
Desde logo, a sua repercussão deveu-se à actuação do juíz natural da causa (“juíz aquo”), António José Santana, e notadamente, a confusão que criou na interpretação da lei de medidas cautelares em processo penal e do próprio Código do Processo Penal.
No dia 23/04/2021, que calhou numa sexta-feira, Chico Rasgado foi detido ( ou preso…) na sua residência habitual e à frente de pelo menos uma das suas filhas, menora, na sequência de um mandado de detenção emitido pelo mesmo juíz. O mesmo juíz, a 26/04/2021, que calhou na segunda-feria a seguir à sexta-feira, data da detenção, emitiu um mandado de soltura. E na verdade, o arguido nunca tinha sido notificado, oficialmente (soube-se de fonte digna de fé em Benguela), o que só veio a acontecer na véspera do julgamento, quando assinou a notificação do seu próprio punho. Portanto, até aí considera-se não notificado, o que põe ainda mais em relevo a ilegalidade da detenção e, porventura, uma eventual intenção vexaminosa do juíz, especificamente dedicada ao jornalista, em particular. No seu mandado de detenção do jornalista, o juíz escreveu …”a fim de aguardar (o arguido, obviamente) ulteriores termos do processos…”
O juíz não revelou a fundamentação para esta medida, a mais gravosa, e era obrigado a fazê-lo ao abrigo do Código do Processo Penal. Depois, a moldura penal dos crimes contra a honra de entidades públicas, na lei antiga, é de, no máximo, 18 meses e, por isso, não admitindo prisão preventiva, que é o que de facto veio a acontecer.
Sobretudo, se era intenção, maldosa, ou capricho do juíz, a privação da liberdade do jornalista, na verdade resultou numa extravagante violação dos direitos humanos, que pede, por isso, uma averiguação do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ). Os juízes não podem tudo.