As nossas responsabilidades

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De há  já algum tempo que vimos, reiteradamente, chamando à atenção para as responsabilidades da comunicação social pública (CSP) na contínua degradação da situação geral do país.

A CSP está a destacar-se pela omissão, cumplicidade e alinhamento total à agenda do partido governante.

Tomemos como exemplo mais próximo a revista da semana do Jornal de Domingo da TPA, do dia 9 de Maio.

Numa semana em que um dos assuntos mais chocantes no país foi o colapso do Hospital Américo Boavida (HAB), em que imagens nas redes sociais mostraram dezenas de doentes a agonizar em corredores por falta de leitos, Domingos Betico e Rafael Aguiar,  os dois comentadores residentes daquele espaço televisivo, foram poupados desse assunto, sem dúvida incómodo para os governantes. 

A “pivot” do programa entendeu  que os dois comentadores seriam mais úteis ao país perorando sobre o pretenso desvio de 400 milhões de kwanzas que dois militantes da UNITA, apresentados como dirigentes, atribuem ao líder do partido.

Enquanto Betico destacava a importância da “denúncia”, porque proveniente das “bases”, o seu parceiro tomava-a praticamente como provada, quase exigindo que Adalberto Costa Jr. venha imediatamente a público explicar-se. 

Cada vez mais sintonizados,  um e outro quase não deram espaço ao instituto da presunção da inocência.

Por razões que, dado o contexto, já não podem ser consideradas como estranhas, a nenhum dos comentadores ocorreu questionar como foi que dois militantes de base, ainda que apresentados como dirigentes,  tiveram acesso a informação que, geralmente, só circularia na superestrutura do partido.

Qualquer comentador isento ter-se-ia questionado como foi que dois militantes de base tiveram acesso a informações segundo as quais o líder teria desviado dinheiro para comprar uma “maçã” em Portugal. E nem sequer se questionaram se era mesmo à fruta maçã que os dois vira-casacas se referiram.

Tão valorizadas por Domingos Betico, será que as “bases” do MPLA têm acesso ao destino que a direcção dá aos milhões que entram (ou não) nos cofres do partido quer através da  GEFI, seu braço financeiro, quer através de outras formas que engendrou para se financiar com dinheiro público?

Ele mesmo Betico, membro do Comité Central, sabe a quantas andam as contas do seu partido?

Dirigente partidário, Betico alguma vez teve assento nas reuniões em que Mário António, o patrão da GEFI, revela os números da holding aos restantes membros da cúpula do MPLA?

 É importante falar de dinheiro pretensamente desviado dos cofres da UNITA? Claro que é – até porque é dinheiro essencialmente saído do OGE.

Mas o pretenso desvio de dinheiro na UNITA, denunciado sem a mais leve evidência que lhe conferisse alguma consistência, sobrepõe-se ao drama humano que se vive no HAB?

Onde encontram os nossos colegas tanta insensibilidade, tanta falta de razoabilidade de critérios, tanto descaramento?

A seriedade da nossa comunicação social passa, muito também, pela hierarquização da informação.

Levar ao Jornal de Domingo informação no mínimo discutível, gerada por dois militantes de base da UNITA, em detrimento de informação e comentários sobre os verdadeiros dramas que afligem os angolanos, de que a situação no HAB é apenas uma pálida amostra, é mais uma prova do cego e voluntário alinhamento da CSP a quem governa.  

Por isso, temos vindo a defender que há culpas dos poderes públicos e político,  mas o mau o desempenho da Comunicação Social Pública não emana, apenas, deles. Tem muito a ver com a atitude e o comportamento dos próprios profissionais. 

 É doloroso dizê-lo, é quase um exercício de masoquismo, mas temos de aceitar que, desde que existe como unidade territorial independente, Angola é  neste momento  servida pela mais submissa, alienada, despreparada tecnicamente e quiçá a mais materialista geração de jornalistas.

Servirá de consolação a constatação de que neste momento Angola também tem a menos bem preparada classe política? 

O facto, e esse é indiscutível, é que não serve os interesses do País atrair as atenções da população para o lado cor de rosa das coisas,  ao mesmo tempo que se omite ou despreza o lado espinhoso, exactamente aquele que deveria merecer a máxima atenção de quem governa.

Não serve os interesses do País uma comunicação social que se exonera dos seus deveres de informar, alertar e também de criticar os poderes públicos. 

Estranho foi, igualmente, o silêncio do Jornal de Domingo sobre a exoneração do médico Agostinho Matamba da direcção do Hospital Américo Boavida (HAB).

Nas circunstâncias em que ocorreu, a exoneração do médico vincula-o directamente às perturbadoras imagens que circulam nas redes sociais sobre o colapso daquela unidade hospitalar. 

É doloroso dizê-lo, é quase um exercício de masoquismo, mas temos de aceitar que, desde que existe como unidade territorial independente, Angola é neste momento servida pela mais submissa, alienada, despreparada tecnicamente e quiçá a mais materialista geração de jornalistas

É um gesto de injustiça para com o jovem profissional.

Não é por inaptidão profissional de Matamba que o HAB atingiu o colapso. 

De resto, se Matamba tivesse responsabilidade directas pelo estado estado caótico em que  se encontra o HAB, não faria nenhum sentido admitir a sua  nomeação para a direcção da Junta Médica Nacional, como antecipa o Novo Jornal. A  menos que, na perspectiva da ministra da Saúde, a Junta  dispense a competências, podendo ser dirigida por qualquer sapateiro – com o devido respeito aos profissionais deste sector.

O problema do Hospital Américo Boavida não está nas valências individuais dos líderes ou nas suas especialidades médicas. Substituir um cirurgião, como é Matamba, por um cardiologista, que é o Mário Fernandes, não trará solução aos problemas de que enferma o hospital. O sistema nacional de Saúde, condescendendo que o tenhamos, faliu e ponto final. Todos sabemos disso e não se ganhará nada virar a cara para a face mais rósea das coisas.

De resto, está visto e revisto que se a dança de cadeira fosse solução, Angola estaria no topo  dos melhores rankings mundiais em todos os capítulos.

Desde que chegou ao poder, em Novembro de 2017, o Presidente da República já procedeu a um número de nomeações e exonerações que escapa ao cidadão comum. João Lourenço ganhou a alcunha de “exonerador implacável” justamente por confundir a nomeação e ou exoneração com a competência ou falta dela.

Quando se avaliam os resultados das nomeações e exonerações já feitas pelo Presidente da República é inevitável a conclusão de que são decepcionantes.

Com a exoneração agora ocorrida no HAB, o mais que Sílvia Lutucuta  conseguiu foi conspurcar o curriculum  de Agostinho José Matamba e colocar sobre os ombros de Mário Fernandes expectativas a que ele, certamente, não poderá corresponder.

O problema do Hospital Américo Boavida não está nas valências individuais dos líderes ou nas suas especialidades médicas. Substituir um cirurgião, como é Matamba, por um cardiologista, que é o Mário Fernandes, não trará solução aos problemas de que enferma o hospital

Dir-se-ia que, como em muitos casos em Angola, mais uma vez atingiu-se a árvore e ignorou-se a floresta.

Enquanto continuarem a ser parentes pobres, Saúde e Educação jamais atingirão patamares de que nos possamos orgulhar.

Por ora, o sacrificado da vez é José Agostinho Matamba. Não tarda, a Mário Fernandes será apresentada factura para consumos que não fez…

Afinal, os regimes também esticam o seu tempo de vida à custa de bodes expiatórios.