Não é hora de abanar a cauda

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Mesmo entre a cúpula do nosso Ministério das Relações Exteriores é duvidoso que à maioria dos seus integrantes o nome de Márcio Marinho desperte qualquer atenção. 

E não desperta nenhuma atenção pela simples e razoável razão de que certamente nunca ouviram falar dele.

Márcio Marinho é um deputado brasileiro, eleito pelo Partido Republicanos (o mesmo a que pertencia o Presidente Jair Messias Bolsonaro), que agora quer sair da obscuridade às costas da deportação dos 17  “missionários” brasileiros que anos a fio andaram a pregar em Angola a vigarice e a charlatanice.

A semana passada, esse Márcio, seguramente mais um dos muitos assalariados que o vigarista-mor Edir Macedo plantou em todas as esferas do poder no Brasil, anunciou que abandonaria a presidência do Grupo de Amizade Brasil-Angola, da Comissão das Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.

Soltando fogo pelas ventas, o rapazola anunciou, também, que, doravante, a bancada dos Republicanos na Câmara dos Deputados boicotará ou obstruirá todas as iniciativas tendentes a melhorar ou reforçar as relações do Brasil com Angola.

A fúria de Márcio Marinho tem uma consistente razão: com o fim da aventura da ala vigarista da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola, seca a mais importante fonte de receita externa de que Edir Macedo dispunha para pagar aos serviçais que infiltrou em todos os níveis e escalões do poder no Brasil.

Vigaristas desembarcando no Brasil, depois de tardiamente expulsos de Angola

Para Edir Macedo e sua corja, Angola era a joia da coroa do império da IURD.  Era assim que António de Oliveira Salazar também tinha a província ultramarina de Angola: a joia da coroa do império. 

A perda dessa joia significa que doravante deixam de desaguar nos cofres de Edir Macedo os milhões de dólares que eram drenados anualmente a partir de Angola.

Com a perda da joia, Edir Macedo perde significativa capacidade de remunerar principescamente deputados, senadores, ministros, enfim, perde capacidade de exibir templos faraónicos, construídos não para propagar a fé, mas para espezinhar os concorrentes.

O desmantelamento, demasiado tardio, da ala brasileira da IURD em Angola, está a gerar dor e desespero no outro lado do Atlântico. 

A semana passada, outros políticos fizeram coro ao vigarista-mor na choradeira pela perda da joia da coroa. Nelsinho Trad, que preside à Comissão de Relações Exteriores do Senado, reclamou uma “reacção urgente” do Ministério das Relações Exteriores “porque não podemos passar a mão na cabeça daqueles que de uma forma intempestiva, sem direito à defesa, agridem os brasileiros, conforme testemunhamos nessa situação”.

Nelsinho Trad nada disse quando em Angola membros da IURD denunciaram muitos casos de castração masculina ordenados pela cúpula da seita. Com o seu silêncio, o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro passou “a mão na cabeça daqueles que de uma forma intempestiva”agrediram um dos direitos fundamentais do homem, que é o da reprodução. 

Na quarta-feira da semana passada, Aécio Neves, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, disse que iria encaminhar à embaixada de Angola um ofício pedindo esclarecimentos sobre a deportação de missionários brasileiros da Igreja Universal do Reino de Deus. “Também solicitarei ao Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) informações sobre o ocorrido e sobre a atuação da diplomacia brasileira em relação a essa questão”.

Exasperada com a irreversibilidade da queda da joia, no fim de semana, um tal Patrícia Lages, identificada como autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo, palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record”, portando uma especialista em vigarices financeiras, criticou asperamente o Presidente Jair Bolsonaro, a quem acusa de se guiar por um peso e duas medidas.

Aludindo ao facto de Bolsonaro haver recebido no aeroporto um motorista brasileiro que esteve preso na Rússia, gesto que não repetiu com a chegada dos 17  “missionários” expulsos de Angola, a recordista em best-sellers sobre finanças, sentenciou:  “Enquanto tivermos um governo omisso, que escolhe os brasileiros a quem proteger enquanto simplesmente ignora outros, seremos um país desunido, dividido e fraco. O mínimo que se espera é que haja o mesmo peso para a mesma medida”.  


“Mesmo que, no limite, a choradeira de Edir Macedo e sua corja provoque o corte de relações diplomáticas, Angola tem de estar consciente que não desaparecerá do mapa. Angola, um Estado independente e soberano, não tem de abanar a cauda a ninguém. Isso é resposta de cão agradecido ao dono”

Num texto em que abundam o delírio e a ficção, Patrícia Lages diz que o “governo do país (Angola) sempre reconheceu o trabalho social, humanitário, educacional e de fé que a igreja realiza”.

E acrescenta ser “um absurdo  Angola passar por cima da própria constituição, ignorar os direitos humanos e deportar os pastores com requintes de crueldade”.   

A Constituição brasileira não acolhe a castração de humanos, a fuga de capitais, o charlatanismo e outros traços identitários da seita fundada por Edir Macedo.

É louvável a serenidade com que as autoridades angolanas têm lidado com os ventos e marés que estão a ser montados em Brasília.

Outra atitude, aliás, não seria de esperar. A IURD cresceu, tornou-se numa monstruosa máquina de evasão de capitais e num “inferno” para os angolanos que nela acreditaram, porque teve o patrocínio de altas entidades angolanas. 

Não foi com autorização de simples administradores municipais que à IURD foram escancarados os melhores espaços em Luanda para construir os seus espampanantes templos.

Não foram simples funcionários do SME ou da Polícia Fiscal que fecharam os olhos à saída de milionárias somas de dólares dos aeroportos e portos rumo ao Brasil.

Edir Macedo e sua corja tomaram como grande alento e apoio às suas criminosas práticas a adesão de altos dirigentes do MPLA à IURD.  

Edir Macedo e sua turma tomaram como guia de marcha para toda a sorte de bandidagem o facto de o antigo Presidente da República haver ido a um templo prestigiar o casamento de um familiar.

Com largas culpas no cartório, o mínimo que se pede às autoridades angolanas é que não se dobrem ou ajoelhem e menos ainda se comovam perante as dores de cotovelo de alguns brasileiros.

Sem cumplicidades locais, milhões de dólares não teriam saído ilicitamente do país; sem conivências locais, muitos angolanos hoje teriam a sua masculinidade intacta; sem condescendências locais, milhares de angolanos não teriam aberto mão do muito pouco que tinham.

Mesmo que, no limite, a choradeira de Edir Macedo e sua corja provoque o corte de relações diplomáticas, Angola tem de estar consciente que não desaparecerá do mapa.

Angola, um Estado independente e soberano, não tem de abanar a cauda a ninguém. Isso é resposta de cão agradecido ao dono.