Leitura possível de um sufrágio sem voto contra

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A votação da revisão parcial da Constituição ocorrida esta terça-feira, 22, na sede da Assembleia Nacional (AN) suscita uma série de leituras. 

Há uma, entretanto, interessante. 

Trata-se do facto de, apesar do berreiro inicial por ocasião da apresentação da proposta por parte do presidente João Lourenço, no final das contas o sufrágio ter sido de certo modo “pacífico”. Na verdade, estava até um pouco fora da caixa, uma vez que as propostas apresentadas pelo grupo parlamentar do MPLA são quase invariavelmente “chumbadas” pela Oposição.

No caso vertente, dois partidos da Oposição, a FNLA e o PRS, alinharam com o MPLA, totalizando 152 votos. Os outros dois partidos, UNITA e CASA-CE com 56 votos votaram pela abstenção. Voto contra igual a zero, o que não deixa de ser curioso, em se tratando de uma matéria bastante sensível que, inicialmente, levantou várias suspeições e inclusive houve quem dissesse tratar-se de tentativa de reforço de poderes do presidente da República, que, de um modo geral, já são considerados “excessivos” por uma boa parte da chamada Sociedade Civil.

O facto de o projecto de lei da revisão constitucional não ter merecido voto contra é quase um “milagre”, algo que nunca aconteceu no história da AN, quando o tema encerra sensibilidade semelhante à desta emenda “pontual” ou “parcial” como também lhe chamam as hostes dos “camarada”. 

Mais do que apenas curioso, trata-se de um facto político relevante, erigindo-se mesmo como ponto alto do desfecho que se augurava complicado para o MPLA.

Ao que o Correio Angolense apurou, os resultados da votação da iniciativa presencial só foram “pacíficos” porque, ao contrário do que acontecia num passado recente, em vez de exibir o músculo da maioria, o MPLA optou por negociar. Na AN, as mais influentes figuras da bancada parlamentar do “maioritário” desdobraram-se em contactos de concertação com os líderes parlamentares da Oposição.

Apresentando os seus argumentos de razão e cedendo em aspectos fundamentais da proposta inicial, o MPLA conseguiu levar a água ao seu moinho. E não cedeu apenas na concertação com os partidos páreos no Parlamento. Também transigiu em relação às propostas da Sociedade Civil. Isto levou a que inclusive a UNITA, mesmo de forma velada, reconhecesse publicamente a postura dialogante e de busca de concertação dos “camaradas”. O que é uma raridade na história política recente do país.

A actuação do MPLA neste processo não encontra precedência no seu passado próximo e parece ser a “fórmula” a ser usada doravante. E não apenas no trato com a Oposição, mas também com a Sociedade Civil. 

Afinal, o país está a um ano de um novo pleito eleitoral e enterrar a sobranceria pode render proventos políticos substanciais.