Angola na contramão de tudo e de todos

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No Brasil, a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a actuação do Governo perante a Covid-19 tenciona adicionar, a um já extenso rol de travessuras atribuídas ao presidente Jair Messias Bolsonaro, o crime de prevaricação.

A CPI promete levar ao Supremo Tribunal Federal (STF, a máxima instância judicial) indícios que envolveriam o presidente da República na prática daquele crime.

Nos termos do Código Penal do Brasil há crime de prevaricação quando um funcionário público “retarda ou deixa de praticar, indevidamente, acto de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

 Na sexta-feira, 26, um deputado federal, Luís Claudio Miranda, disse à CPI que em Março procurou o presidente Bolsonaro para lhe pôr a par de uma negociata envolvendo funcionários do Ministério da Saúde e o fabricante da vacina indiana Covaxin, a qual custaria ao erário brasileiro muito dinheiro.

Nos termos da denúncia feita a Jair Bolsonaro, o Brasil pagaria pela vacina indiana preço várias vezes superior ao de mercado.

Depois de manifestar surpresa, Bolsonaro teria prometido ao seu interlocutor acionar de imediato a Polícia Federal para investigar as suspeitas. Mas à CPI da Covid chegaram evidências de que o presidente do Brasil não moveu uma palha para abortar a negociata e o Brasil acabou por comprar a vacina indiana a preços sobrefacturados.  

Segundo o jornal Estado de S. Paulo, em Agosto, a embaixada brasileira em Nova Delhi informou o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) que a vacina produzida pela indiana Bharat Biotech tinha o preço estabelecido em USD 1,34 por dose. Porém, em Fevereiro, o Ministério da Saúde do Brasil concordou em pagar 15 dólares por cada unidade da mesma vacina, o que fez da Coxim Covaxin a mais cara das seis vacinas compradas até agora pelo país. .  

Depois do depoimento do deputado Luís Claudio Miranda, os líderes da CPI da Covid disseram que iriam encaminhar ao STF os “índícios colhidos pela comissão de que Bolsonaro cometeu crime de prevaricação”.

Segundo o presidente da CPI, senador Omar Aziz, Jair Bolsonaro prevaricou ao não pedir investigação sobre o caso.

O presidente não mandou investigar absolutamente nada“.  

O Código Penal do Brasil prevê, para tal crime, pena de três meses a um ano de prisão e multa.

O ordenamento jurídico angolano não acolhe crimes como aquele de que pode ser acusado o presidente brasileiro.

No antigo Código Penal, o artigo 36.º continha uma disposição próxima da estabelecida na legislação brasileira.

No capítulo da Violação  de Normas de execução do Plano e Orçamento,  o antigo Código Penal dispunha que o “agente público a quem, por dever do seu cargo, incumba o cumprimento de normas de execução do plano ou do orçamento e, voluntariamente as viole, é punido com prisão quando: a)contraia encargos não permitidos por lei; b) autorize ou promova operações de tesouraria ou alterações orçamentais proibidas por lei; c) dê, ao dinheiro público, um destino diferente daquele a que esteja legalmente afectado”.

Em Março deste ano, o Presidente João Lourenço autorizou a compra de 6 milhões de doses da vacina russa Sputnik V por 111 milhões de dólares.

Por aquele decreto, Angola pagou por cada dose da vacina russa 18, 5 dólares, quase o dobro do preço do mercado.

Quando foi anunciado o inicio da comercialização da Sputinik V, o RDIF (Fundo de Investimento Directo Russo), proprietário da vacina, indicou que a sua vacina seria comercializada abaixo de de USD 10. Foi esta mesma informação que passou à Agência Europeia de Medicamentos (EMA), quando entregou o processo de aprovação para a comercialização da vacina no espaço europeu”, observou, na altura, o semanário Expansão.

Ou por falta de legislação ou por alguma “distracção” qualquer, a verdade é que a escandalosa discrepância de preços não pareceu inquietar a nossa classe política.

A ausência, na nossa arquitectura constitucional, da figura da Comissão Parlamentar de Inquérito não explica a indiferença da classe política.

No Brasil, Jair Bolsonaro já tem garantidos dias difíceis por não ter impedido um acto que prejudicou interesse público.

Em Angola, os políticos assobiaram para o lado perante informação de que que o Governo comprou a vacina russa pelo dobro do preço. Instituições como PGR, Tribunal de Contas, IGAE e outras não fizeram qualquer diligência, publicamente conhecida, no sentido de apurar se João Lourenço teria autorizado um negócio potencialmente prejudicial a Angola.

Por essas e outras diferenças, é que uns são países e outros são caricaturas de países.

Por essas e por outras é que uns estão cada vez mais próximos das portas de entrada no selecto grupo dos países mais desenvolvidos do mundo e outros entram, pelo próprio pé, no grupo dos 10 países sem futuro.

Na Inglaterra, o ministro da Saúde demitiu-se do cargo após ser flagrado em “chachatanços” com uma colega no local de trabalho, no que foi entendido como violação do distanciamento social requerido. 

Em Angola, o partido liderado pelo presidente da República, o mesmo que decretou o distanciamento social como um imperativo na luta contra a pandemia da Covid, orgulha-se de haver promovido a maior desobediência de sempre ao Decreto Presidencial.

Por essas e por outras é que uns estão cada vez mais próximos do bem estar terreno, ao passo que outros estão, orgulhosamente, na lista dos 10 países mais miseráveis do mundo.

Por essas e por outras é que, nos outros países os servidores públicos dedicam os sábados ao descanso retemperador de forças, a compras ou a passeios familiares, ao passo que em Angola  os servidores públicos se juntam para, em “patrióticas” marchas, jurarem fidelidade e lealdade incondicionais ao comandante circunstancial da nau angolana. 

A ironia é que num passado recente todos eles fizeram e disseram exactamente o mesmo em relação ao então líder, em quem hoje todos parecem enxergar repulsivas sarna e lepra…

Não, não são os outros que nos rejeitam. Não é o resto do mundo que nos atira para os primeiros lugares das piores estatísticas mundiais. 

Nós é que somos diferentes; nós é que nos afastamos cada vez mais dos outros.