A combinação de factores adversos como a severa queda do preço do petróleo, a pandemia da covid-19 e, sobretudo, opções governativas equivocadas transformaram o primeiro mandato do Presidente João Lourenço no que é conhecido como tempestade perfeita.
Na literatura mundial, tempestade perfeita é uma rara combinação de circunstâncias.
Em 2017, quando chegou ao poder, João Lourenço já encontrou uma conjuntura económica mundial adversa. O preço do petróleo, nosso único cartão de visita, já andava pelas ruas da amargura.
Internamente, queixou-se de haver encontrando os cofres públicos no vermelho total – no que foi, constrangedoramente, desmentido pelo seu antecessor.
Em pouco menos de dois anos, bandeiras eleitorais como combate à corrupção, impunidade, bajulação, “ordens superiores”, nepotismo e outras foram se derretendo como gelo exposto ao sol.
Depois de arreganhos iniciais, que se traduziram no julgamento e prisão de uns poucos peixes graúdos, o combate à corrupção foi perdendo fôlego, ficando a sociedade cada vez mais convencida que, afinal, não era coisa para levar tão a peito.
No mesmo período o país foi testemunhando, estarrecido, ao ressurgimento de maus “hábitos e costumes” que o Presidente João Lourenço prometeu combater. O nepotismo, as “ordens superiores” (até hoje ninguém deu a cara pela ordem dada à TPA e Zimbo para boicotarem as actividades da UNITA), a bajulação (é cada vez maior o número de baba ovos que se juntam à já extensa fila) estão aí, plenamente revigorados.
À tempestade perfeita, que tem marcado esses anos de governo do Presidente João Lourenço, juntou-se, para desalento geral, a Lei de Murphy, segundo a qual nada está tão mal que não possa piorar. Neste consulado há uma estrondosa colecção de “ganhos”: o desemprego subiu para patamares nunca antes vistos; a mendicidade atingiu níveis inimagináveis há pouco mais de 10 anos; a fome e a nudez idem; a criminalidade nunca prosperou tanto. Luanda está hoje entre as cidades mais violentas do mundo.
No plano governativo, Angola nunca conheceu tanta instabilidade. Ministros e outros altos funcionários públicos são trocados com estonteante frequência. Contam-se pelos dados de uma mão os dignitários que sobreviveram à fúria exoneradora do Presidente João Lourenço. E de entre os sobreviventes constam, estranhamente, alguns dos mais contestados governantes do país.
A pouco menos de um ano das próximas eleições, o MPLA e seu “candidato natural” estão legitimamente preocupados com o seu ranking. Um e outro terão de suar as estopinhas para subirem as respectivas notas e apresentarem-se ao pleito com possibilidades reais de triunfar.
Mas a melhoria da nota – que neste momento alterna entre o medíocre menos e mais – não pode implicar o vale tudo.
O recurso à anciã Rita Webba, pastora jubilada da Igreja Metodista Unida de Angola, para, também ela, enxergar em João Lourenço o mesmo que Afonso Nunes, Antunes Huambo e outros caçadores de dinheiro disfarçados em autoridades religiosas viam em José Eduardo dos Santos, significa o desprezo de valores como a ética.
A caminho de um século de vida, a mais velha Rita já foi tomada pela senilidade.
Nestas circunstâncias, graves não são as declarações que ela fez a respeito do Presidente da República segundo as quais “João Lourenço é o Moisés, é o libertador do seu povo. Deus lhe deu também a coragem de Josué, o homem não entende. Se Deus lhe apontou para endireitar as coisas, ninguém vai lhe conseguir (…)”.
Muito grave é o aproveitamento político que se faz de afirmações de alguém que, por certo, com menos de 40 ou 60 anos, não diria aquelas enormidades.
A pergunta que tem de ser feita àqueles que levaram as declarações da velha Rita aos ecrãs da TV Zimbo é: o Presidente João Lourenço precisa mesmo desse expediente, precisa mesmo de palavras (desastradas) como as da velha Rita para a sua afirmação?

Em anos muito recentes, os já referidos lambe-botas Afonso Nunes e Antunes Huambo viram em José Eduardo dos Santos o “enviado” de Deus para conduzir o povo angolano à felicidade terrena. Hoje, somos testemunhas da obra desse “enviado de Deus”.
Com o recurso a expedientes como o da anciã Rita Webba, o MPLA dá de si a imagem de um partido “panicado”, descrente e já prestes a atirar a toalha ao tapete.
Nas redes sociais, o discurso da milícia digital do MPLA reflecte, já, esse estado de desespero em que o MPLA aparenta estar. O discurso de baixo recorte, a deselegância verbal traduzem um estado de alma muito inquieto.
Há referências religiosas e outras que deveriam ser poupadas do universo selvagem em que se vai tornando a política angolana. A velha Rita Webba é uma referência na Igreja Metodista Unida de Angola.
O tempo, vale a pena dizê-lo, não joga a favor do MPLA e do seu candidato natural.
Em pouco menos de 12 meses, será muito difícil curar muitos danos causados ao tecido social angolano.
Mas, apesar da escassez de tempo, o MPLA ainda pode e deve ir à luta com dignidade. Mesmo porque ainda há conquistas possíveis. Mesmo porque – e não se subestime isso -, o MPLA tem sob férreo controle toda a máquina pública.
Nesta altura do campeonato, ao MPLA conviria um discurso honesto, que assuma os erros próprios. Imitar recorrentemente o comportamento da avestruz quando avista algum perigo ou empurrar para as costas dos adversários políticos as consequências do crescente desemprego e da desesperança dos angolanos não comove ninguém.
Para ir a jogo em condições competitivas, alguém precisa de avisar também ao séquito de bajuladores de João Lourenço que a vida é feita de regras.
É uma contravenção moral e ética usar a avançada idade de alguém como arma política.