No dia 6 de Agosto de 2019, Rafael Marques de Morais deu a conhecer, no seu site makaangola.com, o conteúdo do Despacho n.º 19/19, de 2 de Fevereiro, por via do qual o Presidente da República, João Lourenço, que autorizava a celebração de um contrato com a Sodimo para a aquisição de um terreno de 211,7 mil metros quadrados pelo valor de 344 milhões de dólares.
“Trata-se do terreno, na Chicala II, para a construção do Centro Administrativo de Luanda, mais conhecido por Bairro dos Ministérios. Um dos principais beneficiários desse dinheiro é o MPLA. Ora, João Lourenço é presidente do MPLA, o partido que é sinónimo de corrupção”.
Comentando a decisão do Presidente, Rafael Marques de Morais escreveu: “De forma extraordinária, pelo seu próprio punho, o presidente tem dado ordens e contra-ordens de tal modo contraditórias, que os seus actos de boa governação são ensombrados por algumas das suas próprias más decisões”.
Apenas dois dias depois, a 8 de Agosto, o mesmo Rafael Marques de Morais anunciava, igualmente no seu site, que “João Lourenço acaba com o bairro dos Ministérios”.
Num texto ilustrado com a foto da audiência que o Presidente João Lourenço lhe concedeu dias antes, o proprietário do Maka Angola escreveu: “O presidente da República, João Lourenço, enviou-me uma nota de agradecimento pela matéria e os alertas sobre o Bairro dos Ministérios. De acordo com a mensagem, transmitida pelo seu director de gabinete, Edeltrudes Costa, o presidente ficou sensibilizado com as revelações contidas na minha investigação. João Lourenço garante de forma inequívoca que, na Chicala II, não haverá mais Bairro dos Ministérios”.
Congeminado pelo ministro então ministro da Construção e Obras Públicas, o Bairro dos Ministérios deveria contemplar, entre outras infra-estruturas, 28 ministérios e residências protocolares.
“As justificações do ministro Tavares de Almeida para a construção do Bairro dos Ministérios – como a geração de empregos para jovens, poupanças para o Estado, etc. – são, no mínimo, absurdas e de uma arrogância inadmissível”, escreveu RMM..
Nesse mesmo texto, Rafael revelou que de entre 2014 e 2017, o Estado já havia gasto mais de 763 milhões de dólares para acomodar ministérios. “Segundo os despachos do então chefe de Estado, os mesmos visavam a melhoria do desempenho das suas funções e consequente prestação de um serviço adequado e eficiente aos cidadãos, no âmbito do processo da Administração Pública”. Só não se nota a melhoria na eficiência dos serviços prestados aos cidadãos”. Um dos edifícios comprados por 200 milhões de dólares situa-se junto à Cidadela Desportiva.
Em Setembro passado, o Presidente João Lourenço autorizou, pelo valor de 8 mil milhões de kwanzas, a compra de 54 apartamentos do mesmo edifício. De acordo com um despacho presidencial, a aquisição dos 54 apartamentos é uma extensão de um contrato autorizado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.
Em 2019, Rafael Marques de Morais também revelou que o edifício parcialmente comprado em 2017 pertencia a Marta dos Santos, irmã de José Eduardo dos Santos, e ao empreiteiro português José Guilherme, “sempre representado por Eurico de Sousa Brito, por via do Banco Económico. Nesse banco, a dupla deixou uma dívida de 1200 milhões de dólares. O Estado é hoje o principal accionista do banco, e não há informações de que os anteriores accionistas (o triunvirato composto por Manuel Vicente e pelos generais Leopoldino do Nascimento e Kopelipa) tenham accionado os mecanismos para a cobrança desta dívida. O Banco Nacional de Angola também fechou os olhos”.
Pelo decreto n. 159/21, também de Setembro passado, o Presidente João Lourenço autorizou a aquisição de dois imóveis, no valor de 114 milhões de dólares, para a acomodação dos serviços do Ministério dos Transportes e da Agência Reguladora e Certificação de Cargas e Logística de Angola.
Em Junho do corrente ano, o Presidente da República autorizou despesa de 40 milhões de dólares para a construção do edifício sede da Comissão Nacional Eleitoral e do Centro de Escrutínio Nacional.
Qualquer dos milionários encargos financeiros em que o Presidente da República envolveu o Estado angolano não foi precedido de qualquer concurso.
No texto do dia 8 de Agosto de 2019, Rafael Marques escreveu que a decisão do Presidente da República de “enterrar” a mirabolante ideia de construção do Bairro dos Ministérios “demonstra paulatinamente a sua vontade em colocar Angola no caminho certo e a expor os obstáculos à sua volta”.
Na mesma peça jornalística, Rafael Marques sublinhava que o MPLA, o partido do Presidente “está tomado pelo vício da corrupção, da pilhagem e do desgoverno. Crescem os actos de sabotagem da agenda presidencial, multiplicam-se as vozes que pretendem colocar o presidente no mesmo saco que os marimbondos arreigados à ideia e à prática de que o país continua a saque (…) Somos de opinião – e não nos cansaremos de a manifestar – que todo o cidadão, por mais corrupto ou por pior que tenha feito a Angola e aos angolanos, tem o direito e o dever de seguir o caminho do bem. João Lourenço — independentemente do seu historial dentro do MPLA e sob o governo do seu antecessor — quer mudanças. Tem entrado em colisão com vários interesses nefários dos seus próprios colegas, para o bem da sociedade. Poucos reflectem sobre o perigo do regresso, em força, dos marimbondos ao poder caso João Lourenço, com a sua abertura, falhe na missão de mudar o país. O MPLA é a mesma máquina de governo desde 1975. Devemos incentivar João Lourenço a manter esta postura. A postura de diálogo, audição e decisão baseada num processo deliberativo alargado tenderá a pacificar uma sociedade causticada pela guerra e pelo autoritarismo saqueador”.
João Lourenço pode ter aberto a mão ao megalómano projecto do Bairro dos Ministérios. Mas a gastança do dinheiro público e, sobretudo, o manto de opacidade que envolve essas decisões, demonstra que o Presidente da República, por vontade própria ou alheia, não está a encurtar ‘a caminhada de Angola rumo à construção de um Estado voltado para os seus cidadãos e garante da prosperidade e liberdade de todos”. E também que João Lourenço, por vontade própria ou não, escolheu um “percurso cheio de armadilhas, falsidades e densas florestas sombrias onde, muitas vezes, não é possível distinguir o amigo do inimigo”.
Quando, por exemplo, se olha para os concursos públicos, envolvendo as mais apetecíveis empreitadas do Estado, é inevitável a comparação com a máxima do lendário futebolista inglês Gary Lineker, segundo a qual “no futebol são onze contra onze e no fim ganha a Alemanha” .
No nosso caso, substitua-se a Alemanha pela Omatapalo para concordarmos com Rafael Marques de Morais de que o “ MPLA, o seu partido, está tomado pelo vício da corrupção, da pilhagem e do desgoverno”.