Portugueses para “lapidar”
a imagem de João Lourenço

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Depois que os seus auxiliares angolanos aparentemente desconseguiram, ou nunca perceberam isso, espera-se que os assessores lusos da Cunha Vaz & Associados, contratados a peso de ouro, sejam capazes de convencer o Presidente da República a deixar de tomar toda a crítica como ataque à sua governação.

Desde que tomou posse, João Lourenço vem se repetindo em exemplos de que toma toda e qualquer crítica ou observação menos simpática ao seu Governo ou a ele próprio como vil ataque ou agressão e reage proporcionalmente. 

Quando a empresária Filomena de Oliveira disse que os técnicos da AGT não consideraram o clamor nacional na implementação do IVA, o Presidente da República não conseguiu disfarçar a sua ira. Mal humorado e quase aos gritos, respondeu à empresária com um “não somos surdos”.

Passados dois anos e pressionado por metas eleitoralistas, o Governo decidiu baixar a taxa do IVA, mas do Presidente da República não se ouviu uma única palavra de conforto à senhora que ele tão maltratou.

Em Agosto deste ano, o Presidente da República tomou como barulho as críticas de cidadãos aos milhões que ele destinou para a construção da nova sede da Comissão Nacional Eleitoral. 

Com mais essa pouco urbana reacção, João Lourenço mostrou ser um homem que se julga auto-suficiente, acima de qualquer falha. Mostrou que confunde a sua temporária condição de principal gestor do erário como seu dono.

No dia 11 de Novembro, o Presidente da República desafiou os “ polémicos” a visitarem o Centro Especializado de Tratamento de Endemias e Pandemias (CETEP), que está a ser construído em Calumbo. 

João Lourenço classifica como “polémicos” os cidadãos que criticaram o emprego de milhares de dólares para a compra de um conjunto de cubatas que estavam condenadas a desabar por falta de uso.

 Em Maio do ano passado, o Presidente da República ordenou a aquisição de  um imóvel com 200 residências, no Calumbo, com o objetivo de criar condições para o tratamento especializado de epidemias e pandemias.

Segundo o despacho presidencial a compra do conjunto habitacional visava colmatar a “insuficiência de infraestruturas adequadas, a nível nacional, para dar resposta a graves calamidades de saúde pública e pandemias, de ocorrência imprevisível”.

Para a aquisição desse conjunto habitacional, o Governo gastou 25 milhões de dólares. 

A milionária aquisição não passou pelo crivo do concurso público. Tal como quase todas as operações similares no Executivo de João Lourenço, também a compra das 200 residências em Calumbo obedeceu ao “procedimento de contratação simplificada”. 

Pelo valor desembolsado, cada residência custou ao bolso do contribuinte angolano um total de 68.732.800 kwanzas (124 mil dólares, ao câmbio da época.)

Dois deputados que então se deslocaram expressamente a Calumbo para avaliar a compra coincidiram em que os cofres do Estado foram, mais uma vez, arrombados.

Para Makuta Nkondo, deputado pela CASSA-CE, o país fora, mais uma vez, roubado. Desolado, disse que não ter dúvidas de que o Presidente João Lourenço continua mal acompanhado e  que “enquanto estiver com os atuais auxiliares o sistema continuará corrupto”.

Segundo o deputado, conhecido por não medir as palavras, as “casas do Calumbo são um roubo descarado e gravíssimo num pais sério e João Lourenço pagará por isso”. 

Outro deputado, Lindo Bernardo Tito, também da CASA-CE, entendia que o estado de degradação dos imóveis desaconselhava a sua compra. “São casas degradadas e com preços bastante exorbitantes.  Sou de opinião que esta compra seja suspensa imediatamente porque até prova em contrário há improbidade pública”.

Lindo Bernardo Tito aludiu à putativa improbidade no negócio porque corriam rumores de que as casas teriam sido vendidas por um agente do Estado com interesse directo no negócio.  

O facto de o Executivo haver erguido, a partir de um conjunto habitacional em escombros, um centro médico de referência não desvaloriza as críticas dos cidadãos aos elevados valores públicos gastos nessa aquisição. 

Há pouco mais de um mês, o PR autorizou a compra, por exorbitantes 114 milhões de dólares, de dois edifícios para a instalação do ministério dos transportes e da Agência Reguladora de Certificação de Cargas e Logística de Angola.

Na altura, a opinião pública não só pôs em causa o preço dos dois edifícios como enfatizou a improbidade nele associada. É que os dois edifícios pertencem a um amigo chegado do ministro dos transportes.

Agora, o investigador Rafael Marques, a quem o Presidente da República condecorou em 2019 com a Medalha de Mérito pelo seu combate contra a corrupção no país, decidiu levar a PGR a polémica compra autorizada pelo PR.

Na denúncia à Procuradoria Geral da República, Rafael Marques elenca elementos que desaconselhariam a operação.

Ele destaca, nomeadamente:

a)  A inadequabilidade do edifício WBC (destinado ao Ministério dos Transportes) para a função que deveria desempenhar, uma vez que parte do mesmo se destina a habitação;

b)  Aparente valor empolado e excessivo da compra e venda;

c)  Amizade e relação de compadrio entre o Ministro e o vendedor.

De acordo com a carta de Rafael Marques à PGR, o edifício WBC, agora comprado por 91 milhões de dólares, foi construído em 2011 a um custo inferior a 30 milhões de dólares. Durante anos a fio, esteve à venda, sem sucesso, por 45 milhões de dólares.

Pouco disponível a críticas ou reparos, o que fará agora o Presidente da República?

Vai retirar a Medalha de Mérito com que condecorou o jornalista e activista Rafael Marques ou vai demitir o Procurador Geral da República por haver acolhido a denúncia do Rafael, ou fazer as duas coisas? É que a denúncia de Rafael Marques não expõe, apenas, o ministro dos Transportes. O Presidente da República, que autorizou a escabrosa operação, também não fica bem na “fotografia”. Afinal, sem a sua assinatura, o assunto teria morrido no gabinete presidencial.

Em muitos casos, o Presidente João Lourenço está a ser a interpretação angolana do antigo chefe de Estado português, Cavaco Silva, que certa vez afastou qualquer hipótese de se enganar. 

Pagos a peso de outro, oxalá os assessores lusos do PR consigam convencer-lhe que, se desinfestada com creolina e desparasitada com DDT, qualquer aeronave de longo curso da TAAG pode levá-lo a qualquer destino do roteiro mundial que está empenhado em concluir até ao fim do mandato.

Dos homens da Cunha & Vaz também se espera que sejam capazes de dizer ao Presidente João Lourenço que “laifar” sapatos Berluti num meio de pobreza e miséria extremas como é Ndalatando não revela apenas mau gosto. É um escárnio à pobreza em que vivem milhões de angolanos. O par de sapatos daquela marca americana custa o preço médio de 8.200 dólares!

Espera-se, igualmente, dos portugueses que convençam o Presidente angolano que exibir sapatos e pasta confeccionados com pele de crocodilo numa cimeira de defesa do ambiente não é apenas falta de bom gosto. É não ter noção nenhuma do espaço em que se está. E que digam também a João Lourenço que não fica bem ao seu Ministro das Relações Exteriores o papel de “roboteiro” do Presidente da República. 

São esses e outros defeitos de fabrico que se espera que os assessores portugueses sejam capazes de corrigir no Presidente angolano.

Enfim, numa altura em que se supunha que os angolanos já fossem capazes de fazer muita coisa, nomeadamente falar olhos nos olhos com o Presidente da República, afinal ainda é necessário o recurso a estrangeiros, até para redigir comunicados enviados às redacções anunciando as visitas ao exterior do país do ocupante circunstancial do palácio da Colina de São José.

Há, entre muitos angolanos, a certeza de que o Presidente João Lourenço quer deixar obra no país; é um homem que não dá muita margem à dúvida sobre os seus propósitos. 

Contudo, as boas intenções, as boas práticas são frequentemente atropeladas e, de seguida, sufocadas pela arrogância e a intolerância à opinião alheia.

Já que o seu vastíssimo séquito de servidores angolanos disso não é capaz, espera-se que a turma de assessores contratada seja capaz de lapidar o “diamante” puro que existe em João Lourenço.

É necessário expurgar nele, com urgência, a facilidade e frequência com que cede ao “quero, mando e posso”, muito presente na forma como adjudica empreitadas públicas e também na forma humilhante como se desembaraça de seus servidores.

Exibir sapatos e pasta confeccionados com pele de crocodilo numa cimeira de defesa do ambiente não é apenas falta de bom gosto. É não ter noção nenhuma do espaço em que se está
Não fica bem a um ministro das Relações Exteriores fazer o papel de “roboteiro” de um Presidente da República
“Laifar” sapatos Berluti num meio de pobreza e miséria extremas como é Ndalatando não revela apenas mau gosto. É um escárnio à pobreza em que vivem milhões de angolanos