Os 46 anos de poder ininterrupto em Angola arreigaram no MPLA hábitos e costumes difíceis de alterar.
O mais sólido e consistente dos hábitos que o MPLA adquiriu ao longo desse tempo é o de que Angola é uma coutada sua. É sua propriedade privativa.
Em todo o país, nenhum dos mais emblemáticos edifícios construídos na era colonial resistiu à sanha ocupacionista do MPLA.
Em Malange, Benguela, Huambo, enfim, em quase todas as capitais provinciais, caíram na esfera do MPLA todos os edifícios construídos e pertencentes a associações de diversa índole, como Grémio do Milho, Câmaras do Comércio e palácios da Justiça. Todos esses edifícios foram tomados pelo MPLA, que os converteu nos seus comités provinciais.
Em Malange e em Benguela, por exemplo, os palácios provinciais são ridículas miniaturas quando comparados com as sedes dos respectivos comités provinciais do MPLA.
Em Luanda, o MPLA só não se instalou no palácio do governador geral porque em 1974, quando regressou do maquis, a autoridade colonial ainda estava representada no que os “camaradas” depois designaram Palácio do Povo.
Mas o Ministério da Educação espreme-se num mesmo espaço com a Biblioteca Nacional, ao passo que, a escassos 100 metros, o MPLA exibe a sua imponente sede nacional.
Em Luanda, qualquer sede distrital do MPLA tem mais dignidade que a sede da administração municipal.
Em Talatona, por exemplo, a administração distrital acotovela-se em contentores de exíguos 20 pés, ao passo que a sede distrital do MPLA está alojada num verdadeiro palacete.
Apesar de ter tomado quase tudo, há, no MPLA, gente convencida que o país é pequeno demais para o seu partido.

Há dois dias, as autoridades benguelenses ordenaram a evacuação completa do parque de estacionamento de um conhecido hotel da cidade porque os carros dos hóspedes não podem dividir o mesmo espaço com a frota automóvel que acompanhava Luísa Damião, que ali se deslocou em trabalho partidário.
Luísa Damião merece deferências protocolares enquanto deputada à Assembleia Nacional.
Nas vestes de vice-presidente do MPLA não está acima de nenhum cidadão. Aliás, nessas vestes, ela deveria caminhar a pé, entre os cidadãos comuns, a implorar-lhes o voto nas próximas eleições.
Mas no MPLA o entendimento generalizado é de que é obrigação do cidadão votar no “partido” porque, no limite, todos devemos a nossa existência terrena à magnanimidade dos “camaradas”.
Em 2017, pensou-se que o “novo paradigma”, prometido pelos que acabavam de chegar ao poder, significaria a mudança de “chip”.
Mudança do chip significaria, por exemplo, que a partir dali o MPLA não mais se sobreporia ao Estado.
A caminho do fim do mandato do líder “reformador”, tudo continua na mesma. O MPLA continua a ser mais importante do que o Estado. Em Luanda, por exemplo, o primeiro secretário provincial do MPLA tem mais tempo de antena nas rádios e televisões públicas do que a governadora provincial.
No resto do país, é mais “honroso” ser membro do Comité Provincial do MPLA do que ser alto funcionário público.
Tal como no tempo da “outra senhora”, também agora algumas das mais importantes decisões envolvendo o país são anunciadas em primeira mão nas reuniões do Comité Central do MPLA.
Foi num congresso do MPLA, que João Lourenço anunciou uma decisão que toca a todo o Estado: a paridade do género no preenchimento de cargos no MPLA e no aparelho do Estado.
Foi num conclave do MPLA que o país ficou a saber que, doravante, homem ou mulher terão a coadjuva-los, necessariamente, alguém do sexo oposto.
Isto é, por decisão exclusiva do MPLA, doravante os cidadãos não ascendem por mérito, mas pelo seu género sexual.
A pouco mais de um ano das próximas eleições, já sabemos que a vice-presidência da República será, necessariamente, confiada a uma mulher; o mesmo se passando com a vice-presidência do MPLA.
A recente nomeação do presidente do Tribunal Constitucional sujeitou-se mais à ditadura do equilíbrio do género do que ao mérito académico ou jurídico de Laurinda Cardoso.
Todas essas “inconformidades” decorrem da perspectiva, tenazmente defendida pelo próprio MPLA, de que ele é superior ao Estado e que todos os angolanos deveriam prostrar-se aos seus pés, agradecendo-lhe o direito à vida.