Diz-se que numa reunião do Comité Central, o ano passado, João Lourenço teria “baixado” orientações à tropa para reagir prontamente ao que teria classificado como “ataques ao MPLA” nas redes sociais.
A tropa não se fez rogada. Uma task force que alterna nomes (fictícios, obviamente) como Emanuel Kadiango, Edno Soares e, episodicamente, Manuel Neto pôs-se imediatamente no terreno, pulverizando nas redes sociais todo o seu ódio à diferença.
Mas nessa nova versão, “Os Patrulheiros” são um verdadeiro embaraço ao próprio MPLA.
O anonimato atrás do qual se escondem os actuais patrulheiros contraria uma tradição de luta, coragem e galhardia do MPLA.
Antes e depois da dita intentona golpista do 27 de Maio de 1977, milhares de angolanos discordavam deles, mas Ndunduma Wé Lépi, pseudónimo literário do já falecido Fernando Costa Andrade, nunca escondeu o rosto aos seus incendiários editoriais escritos sob o título genérico Bater no Ferro Quente.
João Melo e José Mena Abrantes estão longe da unanimidade nacional. Mas nenhum deles, em circunstância alguma, se escondeu por detrás de um qualquer pseudónimo para se proteger de fagulhas que alguns dos seus escritos provocavam.
Em 1995 ou 96, um poema de Miguel Júnior, actual director do Instituto Técnico-Militar (ISTM), aludindo a “relincho dos pardais”, prontamente apoiado pelo respeitado escritor Uanhenga Xitu, desembocou no Folha 8, dando lugar a uma “planetária” disputa literária, envolvendo Mena Abrantes, que acusava Uanhenga Xitu de apoiar escritores que não sabiam escrever, o sociólogo Lucas Ngonda e o então “imberbe” escritor KB Gala.
Intensíssima, em momento algum, porém, a rija peleja resvalou para o ataque pessoal. Apesar da delicadeza dos assuntos – naquela altura as questões raciais e étnicas provocavam em alguns sérios arrepios – todos os intervenientes se identificaram pelos nomes pelos quais eram conhecidos pelo público.
Foi com o seu próprio nome que Mena Abrantes travou um épico combate com o falecido Jorge Macedo nas páginas do Semanário Angolense sobre o (sempre) sensível tema do racismo em Angola.
Também foi com o seu próprio nome que o mesmo Mena Abrantes se “engalfinhou”, várias vezes, nas páginas do Jornal de Angola, com Rafael Marques. Nessa altura, o “oficioso” ainda aceitava o direito de réplica e tréplica.
Antes, nos anos 80, o cardiologista Manuel Vidigal e o escritor Dario de Melo travaram, nas páginas do Jornal de Angola, um “combate” que deixou marcas. Mas apesar da elevadíssima intensidade do duelo, em momento algum qualquer dos contendores cedeu ao jogo baixo, que é o insulto, a pessoalização do debate.
Nos primeiros anos de 2000, a coluna “Fogo Cruzado”, do já inexistente Semanário Angolense, não dava a menor hipótese ao anonimato. O nome do autor era acompanhado da respectiva foto.
Hoje, Emanuel Kadiango, Edno Soares ou Manuel Neto e outros traem despudoradamente essa tradição de luta e coragem do MPLA.
É no domínio cultural que se acentuam as distâncias entre os actuais patrulheiros e os homens que deram a cara pelo MPLA no passado.
Hoje, a nova turma de “defensores do templo” é incapaz de escrever um único parágrafo com elevação, isenta de algum insulto pessoal.
Limitadíssimos no vocabulário, os patrulheiros que executam a “orientação baixada” pelo líder enchem páginas, repetindo-se nos insultos e, até, nas palavras. No meu caso, alternam, apenas, o bêbado com o assalariado de Adalberto Costa Júnior. Em todo o resto, repetem-se. Nem os sinónimos conhecem.
Mas isso não surpreende. Se, como diz a sabedoria popular, quem sai aos seus não degenera, então estamos apenas perante um caso de “sequência genética”. Se o chefe atribui nome de insectos a companheiros de armas e trata adversários como malandros, não podemos esperar que Kadiangos e outros se refiram com elevação a pessoas que ainda são capazes de pensar pela própria cabeça.
A mim, particularmente, todos eles atribuem, invariavelmente, o consumo de triliões de hectolitros de álcool por dia. É um milagre que apesar do desbragado consumo que me atribuem, ainda sobre álcool para dirigentes do mais elevado escalão do MPLA. Ali, ao que me dizem, os líquidos etílicos, nas suas diferentes marcas e tipos, são emborcados de forma copiosa.
Se acatada por eles próprios e ao mais alto nível da direcção do MPLA, a abstinência alcoólica que os patrulheiros pregam pode gerar consequências inesperadas.
Mas o que me comoveu no último escrito de Emanuel Kadiango é o lancinante apelo à honestidade.
Como de “Graça Campos, Armindo Laureano, Ramiro Aleixo e Francisco Rasgado não se podem esperar leituras honestas sobre os actos do Executivo de João Lourenço, contra quem declararam guerra desde o início do mandato, sabe-se lá por quê”, sobram como redutos de honestidade os Kadiangos e Soares deste mundo.
Para os Kadiangos e outros prova, de honestidade é passar a mão pela cabeças daqueles que ajudaram a engendrar, encorajaram, participaram e protegem o saque do país.
Para a turma de Kadiangos e outras, honestidade é condescender como grosseiras violações da lei, como aquela que a ministra das Finanças atribui ao Titular do Poder Executivo a respeito da Lei da Contratação Pública.
Para os Kadiangos do MPLA, honestidade é manifestar completa indiferença perante muito mal ensaiadas encenações teatrais, como o fogo posto ao comité distrital do MPLA do bairro Benfica, em Luanda, para culpar outros, ou, ainda, encolher os ombros ante o estranho e até agora não esclarecido desaparecimento de 30 toneladas de milho que o Governo disse ter comprado à Argentina para compor a Reserva Alimentar do Estado.
Para a “malta” que chamou a si a tarefa de reagir, ser honesto é enaltecer “actos do Executivo de João Lourenço” como os privilégios despudoradamente concedidos aos grupos empresariais Carrinho e Omatapalo, a “mplalização” total e completa das empresas de comunicação social públicas, a corrupção de todo o aparelho judicial.
Para Kadiangos e outros, são encomendas de “conhecidos laboratórios” as denúncias do roubo em que se constituíram os mais de 100 milhões de dólares que o Governo pagou por dois edifícios de um amigo do ministro dos Transportes que o mercado rejeitou por 22 milhões de dólares.
Mentir, Sr. Kadiango, é pretender que os encómios de organizações multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, agências de rating e Transparência Internacional ao Governo de João Lourenço se traduzem na melhoria de vida dos angolanos. Isso, sim, é mentir e mentir é, na verdade, feio, muito feio.
Vale a pena repeti-lo: Ndunduma, João Melo (mesmo quando assina como Jota Malanza) e outros davam a cara aos seus “manifestos” porque eram/são homens que acreditam nas suas causas, nos seus valores.
O bando que hoje “fala” pelo MPLA esconde-se por detrás de nomes falsos porque é guiado por um único valor: o dinheiro!
Servido por gente que concentra o ataque no mensageiro e não no conteúdo da mensagem, não admira que o MPLA borre as calças todas perante uma trivialidade como a visita de Adalberto Costa Júnior ao Muro das Lamentações.