JL, a chave do impasse

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Acabado de regressar de Orlando, na Florida, Estados Unidos, onde, ao que se diz, ouviu do seu médico assistente palavras animadoras quanto ao estado geral da sua saúde, o Presidente da República e Titular do Poder Executivo inicia esta semana com uma inoportuna enxaqueca: a partir de hoje, 23, os médicos voltam a pendurar os estetoscópios, bisturis e outros instrumentos de trabalho porque retomam uma grave de duração indeterminada à escala nacional.

Os médicos retomam uma greve que suspenderam em Dezembro, após receberem garantias do Governo de satisfação das suas exigências.

Entre as reivindicações dos médicos constavam melhorias das condições de trabalho, nomeadamente o apetrechamento material das unidades hospitalares, o recrutamento de novos profissionais, melhorias salariais e a reintegração do presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA), Adriano Manuel, afastado do exercício de funções havia quase dois anos, por haver denunciado a morte, num só dia, de dezenas de crianças, no Hospital Pediátrico de Luanda, por insuficiência de meios humanos e técnicos.

Os grevistas fixaram, então, o prazo de 90 dias para a completa satisfação das suas reclamações.

Porém, além da reintegração de Adriano Manuel, o Governo pouco ou nada mais fez para atender as exigências dos médicos.

Numa declaração do dia 19 em que anuncia a retomada da greve, o Secretariado Executivo Nacional do SINMEA elenca, entre as suas inquietações, o aumento da taxa de mortalidade em crianças menores de 5 anos”; “gritante falta de medicamentos essenciais para o combate às doenças endémicas como malária, doenças diarreicas e doenças respiratórias, com destaque para a tuberculose”.

Na Declaração de Greve, o SINMEA diz que a construção de novas unidades sanitárias no quadro do PIIM e o consequente aumento de leitos hospitalares não foi acompanhado de concursos para o recrutamento de médicos e enfermeiros. “Desde 2020 que não são realizados concursos públicos para recrutar novos médicos”.

Na declaração diz-se, ainda, que a construção de unidades sanitárias com alta tecnologia não é precedida de formação de recursos humanos para o seu manuseio.

O SINMEA diz que a carência de médicos nos hospitais contrasta com o desemprego de “muitos médicos angolanos formados no país e no estrangeiro, com dinheiro do Estado”.

O Sindicato dos Médicos acusa mesmo a entidade patronal, o Ministério da Saúde, de falta de patriotismo ao preterir quadros angolanos a favor de expatriados, nomeadamente cubanos.

Para ilustrar o que chama de “falta de patriotismo de quem nos governa, o SINMEA revela que “muito recentemente, uma delegação governamental deslocou-se à República de Cuba para contratar médicos, em detrimento de profissionais (angolanos) formados nesse mesmo país, a espera de colocação”.

O SINMEA apresentou o seu primeiro caderno reivindicativo ao Executivo no dia 20 de Setembro de 2021.

Na declaração do dia 19, o Sindicato dos Médicos sublinha que o Ministério da Saúde reagiu às exigências “com menosprezo e de forma insultuosa”, com o que teria morto “as esperanças daqueles cuja missão é salvar vidas”.

Nessa reunião, a que estiveram presentes 340 médicos, ficou decidida a retomada da greve a partir das 8 horas da manhã de hoje. 

“Enquanto durar a greve, ficam suspensos os trabalhos nas enfermarias, seminários, internatos de especialidade, admissão e alta de pacientes”. Nesse período ficam, também, suspensos a “passagem de relatórios, relatórios médicos e certificados de óbitos”.

O SINMEA compromete-se com apenas 25% de serviços mínimos nos bancos de urgência e cuidados intensivos para atendimento a doentes críticos.

O Sindicato dos Médicos não abre mão da exigência de salário de 1 milhão de kwanzas “para o interno geral e 2 milhões para o chefe de serviço”. Reclama, também, a atribuição de “subsídios de deslocamento, de isolamento, de chefia e de risco, cujo somatório deve ser de 90%”.

O SINMEA exige, ainda, a abertura de concursos públicos para a admissão de 8 mil médicos até 2024.

O SINMEA reivindica a filiação de 3 mil membros.

A greve dos médicos junta-se à dos professores universitários do sistema do ensino público, em curso desde o primeiro dia deste ano.

O escopo dos docentes universitários é o aumento salarial, autonomia para a eleição dos gestores das universidades públicas e o pagamento da dívida do Executivo por não haver actualizado as categorias profissionais.

Grevistas e entidade patronal, o Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação estão num impasse. Como saída para o impasse, os representantes dos docentes impetraram a intervenção do Presidente da República. Aparentemente, ficaram sem resposta. 

Há poucos dias, a ministra Maria do Rosário disse não ter “orientação superior” para negociar com os representantes dos grevistas. 

Com poderes delegados pelo Titular do Poder Executivo, de facto, a ministra da do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação tem as mãos atadas.

Com a saúde devidamente “recauchutada”, é expectável que o Titular do Poder Executivo preste, agora, atenção às greves que perturbam gravemente duas áreas nucleares.

Sem o envolvimento directo de João Lourenço não se sairá do impasse. 

A poucos meses das próximas eleições, greve na saúde, que pode degenerar em mortes em massa de cidadãos, e na educação é tudo o que um candidato quer no percurso.

E mesmo que no MPLA alguns sectores já tenham as próximas eleições como antecipadamente ganhas, é aconselhável não subestimar as greves dos médicos e professores universitários da rede pública e menos ainda. Menos aconselhável é repetir o comportamento sobranceiro do Presidente da República perante os médicos em greve no Hospital Américo Boavida, quando em Dezembro foi àquela unidade hospitalar lançar as bases para a sua reabilitação. Nessa ocasião, João Lourenço passou pelos médicos sem lhes dirigir qualquer gesto ou palavra que a boa educação tornaria obrigatórios.