Das greves (que não incomodam o PR) 
aos afagos ao “Garganta Funda”

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I

Há qualquer coisa (muito) apodrecida no reino.

Regressado de mais um tour ao estrangeiro, que incluiu uma visita de Estado a Cabo Verde, e culminou com visitas aos médicos assistentes em Orlando (EUA) e Barcelona (Espanha), o Presidente da República encontrou o país a borbulhar sob o efeito de três greves simultâneas: a dos professores universitários, que já deixou, a dos médicos, que recomeçou no exacto dia em que João Lourenço chegou, e dos funcionários do Tribunal Supremo.

Decretada desde o início de Janeiro, a greve dos docentes universitários caminha para o terceiro mês consecutivo e, tudo indica, já comprometeu o ano lectivo da rede pública. A greve não tem fim à vista uma vez que na sua última intervenção pública a respeito, a titular do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI) , Maria do Rosário, alegou não ter sido superiormente orientada para atender as reivindicações dos grevistas.

Se grevistas e entidade patronal não chegarem a acordo a tempo de salvarem o que resta do presente ano lectivo – e a pouco menos de quatro meses das próximas eleições não é crível que se possa recuperar o tempo perdido –  a primeira consequência será a ausência de vagas na rede pública no próximo ano lectivo.

No princípio deste mês de Março, o Sindicato Nacional dos Professores do Ensino Superior (SINPES) pediu a intervenção do Presidente da República para ajudar a quebrar o impasse com a entidade empregadora. 

Mas, aparentemente, o Presidente da República, João Lourenço, não encontrou no Titular do Poder Executivo, João Lourenço, o empregador, qualquer abertura para o fim do impasse.

Por isso, o Titular do Poder Executivo, que acompanhou o Presidente da República e cidadão João Lourenço no tour ao estrangeiro, regressou e encontrou a greve no mesmo ponto em que a deixou. É que os problemas não viajam.

Ainda na segunda-feira, 21, os médicos da rede pública da saúde saudaram o regresso ao país do Titular do Poder Executivo com a retomada da greve nacional, suspensa em Dezembro, após receberem do Governo promessas de solução das suas principais reivindicações. 

Neste momento está a decorrer, também, uma terceira greve nacional, a dos funcionários  do Tribunal Supremo. Os grevistas  protestam  contra o facto de  serem, de entre os que estão ao serviço dos tribunais superiores (Tribunal Constitucional, de Contas e Supremo Militar), os que ganham menos.

Assíduo frequentador do palácio presidencial, Joel Leonardo tem apresentado ao Presidente da República não os problemas e necessidades dos trabalhadores ou da classe. Basicamente, ele tem insistido nas reivindicações por apartamentos  e carros de luxo. 

Foi noticiado que Joel Leonardo e esposa já foram surpreendidos a rondar uma luxuosa mansão de que (ainda) é proprietário Joaquim Sebastião. Antigo director do Instituto Nacional de Estradas, Joaquim Sebastião é suspeito de haver burlado o Estado em centenas de milhões de dólares. Possui vasto património imobiliário em Angola e no estrangeiro. O presidente do Supremo e a esposa estão de olho numa luxuosa moradia, de mais de 30 divisões, que o antigo director do INEA possui em Talatona.

Em curso, estão três greves com imenso impacto na vida dos cidadãos. A primeira põe em risco o ano lectivo da rede pública do ensino universitário; com a segunda estão em risco as vidas dos milhões de desafortunados que não podem procurar assistência médica em hospitais ou postos de saúde privados. A terceira põem em cheque, até, a liberdade de milhares de cidadãos presos, já que ninguém dará vazão aos mandados de soltura.

Com três batatas na mão, qualquer delas mais quente do que a outra, o Presidente da República optou por não arrefecer nenhuma. Pelo contrário, juntou-lhes mais uma, a do Tribunal Constitucional.

Ao reunir-se com Laurinda Cardoso, numa altura em que ela tem uma grande batata a assar-lhe as mãos, João Lourenço envolve-se numa matéria em relação à qual deveria manter a maior distância possível. 

Feitas as contas, o Presidente da República dá sinais de não ter o sono perturbado pelas três greves nacionais em curso.

Aliás, o Presidente da República não olha para a greve como um direito constitucionalmente protegido. Encara-a como um ataque ao seu Executivo.

Há motivos para suspeitar que, se dependesse exclusivamente dele, o direito à grave já teria sido banido da Constituição. Mas é avisado não acender já foguetes: se reeleito e o seu partido o acompanhar, a próxima revisão constitucional pode riscar a mais poderosa arma dos trabalhadores.

II

Aí no Tribunal Constitucional, a dor de cabeça (supondo que haja alguma) não é apenas o vazamento do projecto do Acórdão que anula o XIII Congresso da UNITA. 

A dor de cabeça é o timing  do vazamento. 

A pena de suspensão aplicada a Juvenis Paulo significa que ao Tribunal Constitucional não incomodou, particularmente, o vazamento, mas apenas o momento escolhido.

Significa, também, que Juvenis Paulo não espalhou nenhuma mentira; fê-lo, apenas, em momento inoportuno.

O Tribunal Constitucional estaria a aguardar o regresso ao país do Presidente da República para dar-lhe conhecimento prévio do projecto de acórdão. Que, sabe-se agora, reflectiu exactamente o desejo por ele expresso pessoalmente a alguns membros da corte.

Certamente não avisado, Juvenis Paulo esmerou-se numa prática em que é useiro e vezeiro: colocou na ventoinha um documento que ainda não tinha passado pelo crivo do Presidente da República.

Por conseguinte, o que o Tribunal Constitucional castiga no “Garganta Funda” em que Juvenis Paulo se transformou desde que está na corte não é a divulgação do conteúdo do documento. O que é castigado é a sua precipitação.

Se quisesse mesmo castigar o vazamento, o Tribunal Constitucional teria tomado uma medida mais pesada como, por exemplo, a expulsão de Juvenis Paulo.

Há outras questões nebulosas em torno do processo. A começar pela indicação da juíza relatora. A juíza-conselheira Maria de Fátima Pereira da Silva é esposa de Manuel Pereira da Silva (Manico), presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

É público que a UNITA opôs-se tenazmente à indicação de Manico para a liderança da CNE. A indicação da esposa de Manico como relatora de uma acção de impugnação do Congresso da UNITA coloca em confronto indirecto (porque intermediado pela juíza Maria de Fátima Pereira da Silva) o eleito líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, e o seu desafecto Manuel Pereira da Silva.

A prudência e a sensatez recomendariam um outro relator, um relator menos interessado num determinado desfecho do processo. Mas está agora claro que a escolha da relatora não foi acidental. Foi mesmo feita para atender a ordem “baixada” de cima.

Antigo jornalista, com passagem pelo extinto semanário A Capital, Juvenis Paulo é um conhecido e assumido militante do MPLA.

Ao tempo em que chefiou o Gabinete de Partidos Políticos do Tribunal Constitucional, Juvenis Paulo nunca escondeu ou, se quer, disfarçou a sua ligação ao MPLA. Deixou-se fotografar em congressos, conferências e outros eventos do MPLA.

A escolha desse militante do MPLA para coadjuvar a juíza Maria de Fátima da Silva na produção do projecto de acórdão sobre a UNITA equivaleu a uma bomba de nitroglicerina. Donde, o resultado não poderia ser outro que não a anulação do XIII Congresso da UNITA e com isso afastar Adalberto Costa Júnior do caminho do candidato do MPLA à corrida presidencial.

Conhecendo-se-lhe o passado de vazamentos e fugas de informação, a pena aplicada a Juvenis Paulo soa a um pequenino puxão de orelha por traquinice. Passados apenas três meses, estará de volta ao que faz com prazeroso sadismo: vazamentos destinados a desestabilizar adversários políticos.

Na sua primeira reacção à suspensão de três meses, Juvenis Paulo cita num post um provérbio francês segundo o qual “não existe travesseiro mais macio do que uma consciência limpa”.

Na verdade, quem ganha afagos no lugar de açoites não tem motivos para pesadelos. 

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