Manuel Aragão avisou!

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Técnica e gramaticalmente sofrível – como o classifica Rui Verde, professor de Direito e consultor jurídico do Makaangola – o que há a reter do projecto de acórdão do Tribunal Constitucional, aparentemente vazado a destempo, é a sua recomendação final: a anulação do XIII Congresso da UNITA. 

Possivelmente surpreendido pelo vazamento e garantidamente encabulado por causa dos erros “de palmatória” que Rui Verde lhe aponta, o que Tribunal Constitucional está, neste momento, a fazer é aprimorar o documento, extraindo-lhe as barbaridades jurídicas e gramaticais. Apenas isso e nada mais do que isso. A essência do documento, a anulação do congresso da UNITA, não será alterada.

É esse o desfecho que o Presidente João Lourenço quer para o congresso e com esse desfecho que o Tribunal Constitucional encerrará o XIII congresso da UNITA.

Entre segunda e terça-feira, João Lourenço chamou a presidente do Tribunal Constitucional para lhe dizer que não admite outro desfecho que não a anulação do congresso dos “maninhos” e o consequente afastamento do odiado Adalberto Costa Júnior da corrida presidencial.

E é essa imposição que a trémula Laurinda Cardoso tem transmitido individualmente aos seus pares.

O desfecho do processo da UNITA ficou desenhado quando, contornando o costumeiro sorteio, foi parar às mãos da juíza Maria de Fátima da Silva. O “enredo” ficou completo quando a presidente do TC escolheu Juvenis Paulo para coadjuvar Maria de Fátima na produção do projecto do acórdão. 

Maria de Fátima da Silva, para quem (ainda) não sabe, é a cara-metade do presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

Adalberto Costa Júnior contesta veementemente a indicação do marido da juíza Maria de Fátima para a presidência da CNE.

No julgamento de uma acção interposta por militantes da UNITA para a anulação do congresso que elegeu Adalberto Costa Júnior era, de todo, impossível que Maria de Fátima da Silva não encarnasse as “dores” do marido. 

A escolha do coadjutor da relatora não foi casual. A militância de Juvenis Paulo no MPLA é conhecida. Ele próprio faz questão de dissipar todas e eventuais dúvidas a respeito. É com indisfarçável alegria que se deixa fotografar, devidamente “fardado”, nos principais eventos do MPLA. 

Juntar a esposa do presidente da CNE e o assumido militante do MPLA num caso que envolve Adalberto Costa Júnior equivale a um antecipado atestado de morte ao réu. Lado a lado, Maria de Fátima da Silva e Juvenis Paulo são nitroglicerina pura.

Sob o efeito do que parece ser um poderoso anestésico, Angola assiste, impassível, à consumação do suicídio do Estado de Direito de que Manuel Aragão alertou na sua despedida do Tribunal Constitucional.

Como qualquer cidadão razoavelmente informado suspeitará, a mais do que inevitável anulação do XIII congresso da UNITA não decorre de qualquer imperativo legal. O congresso da UNITA será anulado pela simples razão de que o Presidente da República não quer Adalberto Costa Júnior no seu caminho para a pretendida reeleição. 

Daqui a pouco menos de um mês, o próprio Presidente da República dará o tiro de largada para a corrida às próximas eleições.

Mas com excepção do MPLA, cujo programa político foi apresentado o mês passado pelo próprio João Lourenço, no Kuando Kubango, e da Casa-CE, cuja liderança já foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional, o país não tem ciência de outras forças legalmente habilitadas a disputar as eleições.

Nos Estados Democráticos de Direito – e não nesse simulacro que nos enfiam goela abaixo por cá – a essa distância das eleições, os angolanos já estariam empenhados em fazer os seus juízos sobre as valias de cada um dos concorrentes.

No simulacro de Estado Democrático de Direito que João Lourenço “vende”, sem sucesso, ao mundo, a pouco mais de quatro meses das eleições, apenas ele e o seu séquito no Tribunal Constitucional sabem quem  (não) vai a jogo.

No simulacro de Estado Democrático de Direito, a pouco menos de quatro meses das próximas eleições, a comunicação social pública continua sob apertado controlo do MPLA.

O Artigo 2.º da Constituição define a República de Angola como um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa.

Embora escrita em português inteligível, a comunicação social pública resume o “pluralismo de expressão e de organização política” ao MPLA.

O número 4 do Artigo 17.º da Constituição da República estabelece que os “partidos políticos têm direito a igualdade de tratamento por parte das entidades que exercem o poder público, direito a um tratamento imparcial da imprensa pública e direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei”.

No seu quotidiano, a comunicação social do Estado pisoteia tranquilamente os preceitos constitucionais perante o “olhar silencioso” do Tribunal Constitucional.

O tratamento privilegiado que a media pública dá ao MPLA fere a igualdade de tratamento que a CRA estabelece para todos os partidos.

Estranhamente,  ou talvez nem por isso, o Tribunal Constitucional finge cegueira, mudez a surdez perante o sequestro da comunicação social pública feito à luz do dia.

A pouco menos de quatro meses das eleições, o comportamento descaradamente inclinado da media pública é um forte ingrediente da fraude eleitoral.

A pouco menos de quatro meses das eleições, o próprio Tribunal Constitucional ao arrastar incompreensivelmente a anotação dos congressos dos principais partidos coloca-se a jeito para ser tomado, também, como um fautor de fraude eleitoral. 

O suicídio do Estado Democrático de Direito de que Aragão falou é este, em que o actual Presidente da República e candidato à reeleição se permite escolher com quem quer ir a jogo. No simulacro de Estado Democrático de Direito, o Presidente da República convoca a presidente do Tribunal Constitucional para lhe ditar os desfechos que quer para cada caso. Já foi assim com o anterior congresso anulado da UNITA.

No simulacro de Estado Democrático de Direito, a presidente do Tribunal Constitucional sente-se lisonjeada por receber ordens directas do Titular do Poder Executivo.

Ora, sendo evidente que não quer Adalberto Costa Júnior entre os seus adversários, a João Lourenço saberia bem uma vitória, mesmo que esmagadora, sobre Manuel Fernandes ou Quintino Moreira? 

A um partido com o passado do MPLA saberia bem uma vitória eleitoral obtida sobre adversários como Casa-CE ou APN?

Ao tramar a anulação do congresso e o consequente afastamento de Adalberto Costa Júnior da competição eleitoral, João Lourenço expõe, cruamente, as suas fraquezas, os seus medos. 

Mostra que não tem arcabouço para enfrentar concorrentes competitivos.

O caso da UNITA enterra, de vez, a velha ladainha do MPLA de que as suas vitórias sempre foram determinadas pelos eleitores. Pela “mão” do Presidente João Lourenço torna-se claro como a água que, sem trapaça, o MPLA não vai a lado algum.

Verdadeiros patriotas, há neste momento militantes e dirigentes do MPLA profundamente envergonhados com os rumos do seu partido. Indivíduos verdadeiramente empenhados numa vitória justa e honesta vêem, agora, todo o seu esforço deitado na sargeta por acção directa de um líder que não abre mão de uma vitória na secretaria.