O Pinto e outros contos

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“Há quem pense que o crescimento e desenvolvimento social a diferentes velocidades de vários segmentos sociais seja uma política deliberada para perpetuar a injustiça social. Não é assim. Este é apenas um fenómeno inerente a este período de transição, em que a Nação precisa de empresários e investidores privados nacionais fortes e eficientes para impulsionar a criação de mais riqueza e emprego. Esta situação cria, naturalmente, a estratificação da sociedade, isto é, o surgimento de várias classes sociais”.

Foi com essas palavras que o antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, justificou, no dia 15 de Outubro de 2013, a “acumulação primitiva” do capital. 

“Adequada à nossa realidade”,  a acumulação primitiva de capital não foi se não um expediente para a divisão da riqueza nacional pelo que se entendeu serem empresários, estratificados em duas divisões.

Da primeira divisão faziam parte o distribuidor da “bola” e apêndices familiares e ainda a entourage, composta por Manuel Vicente, Manuel Vieira Dias “Kopelipa”, Leopoldino Fragoso, Carlos Feijó, António Van-Dúnem e poucos mais. Esses tinham acesso directo ao pote – Sonangol, Endiama, Banco Nacional de Angola e quejandos.

A segunda divisão foi constituída por gente que, saída do nada, viu repentinamente escancaradas as portas do Banco de  Poupança e Crédito, ao qual podia pedir empréstimos nas quantidades que lhe desse na gana.

Orientado superiormente para facilitar o surgimento de “empresários e investidores privados nacionais fortes e eficientes”, o Banco de Poupança e Crédito abriu, até, mão de procedimentos elementares, como exigência de garantias patrimoniais ou de outra natureza para os bilionários empréstimos que foi autorizado a conceder mediante a apresentação de qualquer ‘manuscrito” oriundo do “Kremlin” ou do Futungo de Belas.

Feitos “empresários” a quatro pancadas, quase todos eles se “esborracharam” na primeira esquina.

Deslumbrados com a montanha de dinheiro de que passaram a ser donos sem saber ler nem escrever, a maior parte dos candidatos a “empresários e investidores privados nacionais fortes e eficientes” entregou-se, de corpo e alma, à gandaia.

O já aqui referido Bento Kangamba, por exemplo, incluiu nas suas actividades “empresariais” a promoção e desenvolvimento do meretrício em Angola e ainda frivolidades como jogos da “panza” nos mais caros casinos do Principado de Mónaco. 

Outros, sem saber o destino a dar ao muito dinheiro que sobrou mesmo depois de terem comprado os modelos mais caros das principais marcas automóveis do mundo, renderam-se a obscenidade como a promoção de principescas festas no estrangeiro.

Por exemplo, em 2015 enquanto o Presidente José Eduardo dos Santos falava dos esforços do Governo para reduzir para 35%ˆa taxa de pobreza no país, em Portugal,  Pinto Conto, um técnico de frio que fazia manutenção dos aparelhos de ar condicionado e que, por razões que até hoje lhe escapam, se viu incluído contemplado pela dita acumulação primitiva do capital, “torrava” vários milhares de euros para a festa de aniversário de uma filha, uma menor de 15 anos.

De acordo com notícias então publicadas na imprensa lusa, Pinto Conto,  na verdade um empregado de Paixão Júnior, o então patrão do BPC, ofereceu à filha, Anabela Conto, uma milionária festa de aniversário na selecta Quinta do Grilo, em Loures, arredores de Lisboa.
A aniversariante teve direito a limusina, helicóptero e cobertura da imprensa portuguesa.

Sinto-me muito feliz. É uma festa que nunca esperei. Estou muito emocionada”, disse a filhinha de papai. “Infelizmente não sabia da festa, pensava que ia ser uma festa normal, sem helicóptero, sem nada. Depois apareceram montes de surpresas”.

De acordo com o Correio da Manhã, pelo  menos 60 convidados saíram de Angola expressamente para a festança da adolescente.  

Perdido nas suas excentricidades, Pinto Conto pagou as passagens de avião de todos os convidados idos de Angola, bem como o transporte de autocarro, limusina, helicóptero, serviço de segurança e o aluguer da Quinta do Grilo. 

Os convidados podiam comprar uma das jóias expostas numa montra que, somando todos os objectos, valia mais de USD 1 milhão.

Nos seus anos de “glória”, o objecto social do Grupo Pinto Conto inscrevia actividades tão diversas como transportes, construção civil e obras públicas, hotelaria, segurança pessoal e patrimonial, bem como agro-pecuária. 

Há quatro anos, o nome de Pinto Conto apareceu em sexto lugar de uma lista que “arrolou” os 12 principais devedores do BPC.

Ao empresário que “torrou” mais de 1 milhão de dólares para a festa de aniversário de uma filha imberbe, a lista atribuía uma dívida de arredondados 261 milhões de dólares ao Banco de Poupança e Crédito.

O Conselho de Administração do BPC demarcou-se da lista e prometeu processar os responsáveis pela publicação da lista dos devedores do banco. 

Como Bento Kangamba e outros aventureiros disfarçados de empresários, Pinto Conto e o seu grupo desapareceram de circulação. 

A “obra” que sobrou dos milhões de dólares doados a Pinto Conto é um mal amanhado edifício no Porto Amboim e um outro a reclamar intervenção imediata no Lobito.

O ocaso de Pinto Conto também coincidiu com o fim da era eduardista na governação de Angola.

Em linguagem desportiva, nomeadamente futebolística, chama-se flop a todo atleta que não corresponda às expectativas.

Pinto Conto nem flop foi porque nunca gerou qualquer expectativa. Só mesmo o patrão dele, Paixão Júnior, viu no seu técnico de frio “potencial” para ir mais longe e por isso o recomendou ao Chefe Maior. 

Como outros tantos, Pinto Conto é um daqueles sortudos a quem José Eduardo dos Santos atribuiu, generosamente, o título de empresário para ter acesso fácil ao dinheiro que o regime doava aos seus eleitos.

Tecnicamente falido, com um malparado do tamanho de um país de dimensões médias, o BPC tem sobrevivido graças a constantes injecções de dinheiro dos contribuintes angolanos. 

Não se sabe se a filha de Pinto Conto, brindada com uma festa de 1 milhão de dólares ao completar 15 anos de idade, hoje faz alguma coisa que valha…

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