Enredos lexicais do “ordens superiores”

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Aparentemente, é um caso isolado.

Circula nas redes sociais um esdrúxulo documento assinado pelo chefe dos serviços de saúde municipais de Viana. 

O “documento orientador”, já que orienta expressamente as unidades hospitalares a cumprirem a circular, é pródigo em ardis linguísticos. 

O seu preâmbulo  é uma armadilha gramatical, mas deixa a descoberto a desonestidade de propósitos. 

Diz, nomeadamente: “com vista a garantir o bom funcionamento do Sector da Saúde…” Um engodo indisfarçável. 

Portanto, para garantia do funcionamento dos serviços de saúde municipais, todas unidades hospitalares são “orientadas a apresentar uma lista dos médicos e enfermeiros inscritos nos sindicatos.”

Perece óbvio que são “orientações superiores” e que o ardiloso redactor quis escamotear. 

Depois, não podendo mais ludibriar os leitores, revelou-se por inteiro quando, no número 2 da já citada circular, investe-se no papel de “ius imperium”.

Escreve de forma abertamente despudorada que “o não cumprimento destes pressupostos a responsabilidade legal recai a Direção da Unidade Sanitária.” 

Portanto, um simples director de serviços de saúde municipais substitui-se à Constituição e à lei. 

Desde logo, não se vislumbra qual o tipo sancionatório da citada “responsabilidade legal” que vem no documento. 

Porventura, o director esteja a aplicar e ler uma Constituição que só ele conhece, uma vez que a Constituição de 2010 inscreve a liberdade sindical (artigo 50) no âmbito dos direitos fundamentais. 

No mesmo artigo 50, o legislador fez questão de reforçar esse direito, advertindo o Estado para não se imiscuir no exercício desta liberdade pelos trabalhadores.

“A lei regula e garante (…) a sua autonomia e independência do patronato e o do Estado”, está claramente expresso na Constituição de 2010, constituição que o director não conhece ou se conhece violou, deliberadamente.

Este acto (a ser deliberado) é assustador, porque pode perfeitamente indiciar uma “caça às bruxas” no seio das classes médicas e de enfermeiros.

E o acto administrativo torpe do director dos serviços de saúde municipais de Viana  pode ter começado a ser premeditado, atentando-se ao facto de muito recentemente os médicos terem sido classificados em dois grupos –  “médicos do bem” e  “médicos do mal” por um líder do partido governante.