No seu discurso do Sumbe, o candidato do MPLA a Presidente da República disse: “debates não põem comida na mesa.”
Alguém escreveu nas redes sociais que não são estes os termos exactos do discurso e outros insistiram que o espírito da afirmação era este.
Duas ou três notas a respeito desta afirmação.
Uma primeira nota para recordar que, há uns anos, no Namibe, o ex-Presidente José Eduardo dos Santos disse: “democracia não enche barriga.”
Trata-se de uma linha discursiva coerente com as práticas do poder político em Angola. Não há diferença substancial nos dois discursos.
O que ambos (discursos) negam é o estado democrático de direito, mas, ao mesmo tempo, também revelam que o MPLA e a democracia não coabitam, ou, pelo menos, têm uma coabitação incómoda.
O princípio da legalidade, que conforma o estado democrático de direito, parece não constar nos seus interesses políticos e jurídicos.

A Constituição, ao que parece, é apenas e só um livrinho desses aos quais se reserva uma gaveta.
Mas, se alguém gritar por revisão constitucional (sobretudo se esta esticar o tempo de permanência no poder), nesta altura lembram-se daquele exemplar da Constituição esquecido na gaveta e é para isso, em resumo, que serve a Constituição.
Na Alemanha dos anos 30 (e está é a segunda nota) ninguém prestou atenção aos discursos de um sujeito obscuro e que, depois, se transformou no que o mundo veio a lamentar, amargamente.
Um tal de Adolf Hitler dizia: “temos que livrar a Alemanha dos judeus e outras raças impuras.” Ninguém lhe prestou atenção.
Até que, um dia, acordado bem disposto (era já o chefe do governo) achou que devia divertir-se a mandar prender os seus adversários políticos e todos os judeus.
O ditador, finalmente, assumiu-se ditador. Não se trata de analogia, mas há sinais preocupantes nesse sentido e não são de desprezar.
Uma terceira nota, para lembrar aos mais optimistas, que três centros nevrálgicos do Estado (Polícia, Justiça e Comunicação Social), reiteradamente, actuam em consonância com os desígnios de uma só força política.
O que falta em Angola para que se chegue à conclusão de que está instalado um regime autoritário? Se (ainda) não se chegou a este estágio, para lá se caminha.
Pelo menos são palpáveis os sinais emitidos nesse sentido e o processo eleitoral veio conferir-lhes maior relevo.