Com data de inicio prevista para 17 deste mês, a troca de experiências entre juízes conselheiros do Tribunal Supremo de Angola e de Portugal começa, apenas, nos primeiros dias de Fevereiro.
No dia 3 deste mês, o secretário-geral do Tribunal Supremo angolano tornou pública uma nota segundo a qual “pela primeira vez na sua história, o Plenário desta Corte Suprema, constituído por todos os Venerandos Juízes Conselheiros, participará em Lisboa, a partir de 17 de Janeiro de 2023, numa troca de experiência junto dos seus homólogos do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal”.
Altino Kapalakayela, secretário-geral do Tribunal Supremo não explicou as razões do adiamento da “troca de experiência”.
Segundo o programa da visita, o “âmbito da troca de experiencia (sic) é a uniformização da tramitação processual com base na actual orgânica do Tribunal Supremo e implementação de novo ´´modus operandis“ (sic em diversas áreas desta magna corte”.
Ao Correio Angolense, um alto funcionário do Supremo angolano fez uma interpretação mais concreta do intercâmbio de experiência de que se fala no tribunal.
“Em rigor, não se pode falar em troca de experiência porque os nossos juízes não têm nada a dar aos seus homólogos portugueses. Os juízes vão a Portugal a passeio, a minoria, e para aprenderem coisas básicas como fazer tabelas de inscrição de julgamentos, a maioria. De facto, a maior parte dos juízes do Tribunal Supremo não sabe nem como veio cá parar. Não tem qualificações técnicas. Portanto, não levam nada que possa enriquecer os juízes portugueses”.
Não é apenas na elaboração de acórdãos, outra importante pecha, ou de tabelas de instrução de julgamentos que a maior parte dos juízes do Supremo continua na “pré-história”.
Nessa romaria a Portugal, os juízes conselheiros propõem-se “adquirir e aprimorar conhecimentos com vista a garantir melhoramento do funcionamento e da actividade jurisdicional” do Tribunal Supremo, “capacitar os magistrados judiciais e funcionários; colher experiências dos juízes conselheiros e funcionários do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal; uniformizar os actos e procedimentos a nível dos serviços” e, pasme-se, “aumentar a credibilidade e a confiança no sistema judicial”.

A visita a Portugal, estruturada com base numa robusta base legal, nomeadamente, a “Constituição da República; na Lei nº 29/22, de 29 de Agosto – Lei Orgânica sobre Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum; na Lei nº 2/22, de 17 de Março – Lei Orgânica do Tribunal Supremo” e na “Lei nº 4/22 de 17 de Março – Lei das Secretarias Judiciais e Administrativas”, deverá, ainda, culminar com os nossos “magistrados e funcionários mais capacitados para responder à demanda do trabalho; uniformização dos actos e procedimentos comuns a nível do Tribunal Supremo; funcionamento exitoso dos serviços judiciais” e no ”elevado nível de satisfação dos utentes”.
Humildes, os venerandos juízes do Tribunal Supremo de Angola esperam também aprender com os seus homólogos do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal a “tramitação processual (desde o princípio até ao fim); programação/organização das sessões das Câmaras e do Plenário; modelos de tabelas; elaboração dos projectos de acórdão (sic); número (limite) de processos a inscrever por conselheiros por sessão; publicação dos acórdão” (sic) e “outras práticas processuais de interesse comum.”
Confrontados com esse “plano de necessidades”, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal garantidamente foram tomados pela estupefacção geral e de seguida renderam-se à sonoras risadas.
Com juízes que confessam desconhecer minudências como organização de sessões das Câmaras e do Plenário, “elaboração dos projectos de acórdão” e sua publicação e, mais grave, vão a Portugal para procurar “aumentar a credibilidade e a confiança (dos angolanos) no sistema judicial”, Angola tem de envergonhar-se do Tribunal Supremo que tem.
Os propósitos que o Tribunal Supremo se propõe alcançar em Portugal explicam muitas das más decisões que toma. Está claro que a Corte é maioritariamente composta por “pedestres”.
No dia 27 de Dezembro passado, o advogado Benja Satula viu no acórdão através do qual o presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo determinou o arresto dos bens de Isabel dos Santos, a primogénita do falecido Presidente José Eduardo dos Santos, elementos que ferem o Estado o Direito.
Depois de lembrar ao juiz Daniel Modesto que “o Estado Democrático e de Direito exige um dever de fundamentação das decisões”, algo que não encontrou na sentença, Benja Satula, Mestre em Ciências Jurídico-Penais e em Ciências Jurídico-Criminais, compara o acórdão a um “plano orquestrado” para votar Isabel dos Santos “ao anátema patrimonial”.
Num corrosivo comentário que publicou na sua página no Facebook, Benja Satula aconselha o presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo a não se ocultar por detrás de “ordens superiores”, já que um “processo justo e equitativo é incompatível” com a obediência a “ordens superiores” e com a “castração de princípios estruturantes da Constituição Processual Penal”.
Constrangido por críticas feitas até mesmo por colegas da Corte, o presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo tem se defendido com a alegação de que cumpriu “ordens superiores”.
O presidente da Câmara Criminal não traduziu em nomes tais “ordens superiores”.
Também não “rosnou” a respeito da opinião do advogado à sua decisão.
Daniel Modesto é um dos principais animadores da “acção de formação” que terá lugar em Lisboa.
Mas, para a fonte do Correio Angolense na secretaria-geral do Tribunal Supremo,elaboração de acórdãos ou de tabelas de julgamento não se “aprendem no pouco tempoque os juízes do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, sempre assoberbados de trabalho, terão para ouvir os juízes angolanos. Ainda mais agora que Portugal é sacudido quase diariamente por escândalos envolvendo membros do Governo e de outros órgãos”.
Segundo essa fonte, é “facto que há juízes que chegaram ao Tribunal Supremo sem saber ao que vinham. Por isso, por melhor que sejam, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça não poderão suprir as insuficiências dos nossos juízes. Há paradigmas universais para acórdãos e tabelas de julgamentos. É isso que muitos dos nossos juízes desconhecem. Sinceramente, não acho possível que no pouco tempo em que estarão juntos os juízes lusos possam suprir as dificuldades não só técnicas como de língua portuguesa que os nossos levam. Língua portuguesa é coisa que deveriam ter aprendido na escola”.
O “tour” europeu do Plenário do Tribunal Supremo, que inclui Lisboa, Estrasburgo e Haia, coincide com um período de muita turbulência interna, com juízes a serem acusados de envolvimentos íntimos com secretárias, outros de roubo de bens públicos e com o próprio presidente da Corte suspeito de vender casas que passaram para a tutela do Estado no âmbito da luta contra a corrupção.
“No fundo, essa digressão é também para abafar os escândalos internos”, considera a fonte no TS.
Jubilado, um juiz acha anormal a ausência de todo o Plenário do Supremo.
Repetindo o que outras fontes disseram há uma semana ao Correio Angolense, disse que mesmo no período de férias judiciais “há sempre trabalho por fazer. As férias judicias servem para arrumar a secretaria judicial, preparar o próximo ano judicial, julgar processos céleres como, por exemplo, os que envolvem pessoas abrangidas pela recente lei de Amnistia”.
A fonte do CA na secretaria-geral disse que neste momento a Câmara Criminal do Tribunal está efectivamente fechada. O presidente já está em Portugal com a família e aguarda a chegada dos colegas com as ajudas de custos relativas à já referida “troca de experiência”.
Pelos 15 dias de “passeio” pela Europa, cada integrante da comitiva embolsará acima de 8 mil euros.
Globalmente, a romaria europeia do Plenário do Supremo custará aos cofres públicos acima de 280 milhões de kwanzas.
Ao juiz jubilado soa a estranho a inclusão de Estrasburgo e Haia no roteiro dos juízes conselheiros do Tribunal Supremo.
“Em Estrasburgo está situado o Tribunal Europeu. É para europeus. E para quem não se lembra, devemos recordar que Angola já não é colónia portuguesa desde 11/11/75. Em Haia está a sede do Tribunal Penal Internacional. Angola não aderiu a esse tribunal. Então o que vão lá fazer os nossos juízes?”
Frequentes vezes, o presidente do Tribunal Supremo alega insuficiência de juízes para justificar números processos que aguardam julgamento ou outra decisão.
Para os entendidos, as férias judiciais seriam o período ideal para dar vazão a processos acumulados nas diferentes câmaras do Supremo.
“A excursão colectiva parece de todo incongruente com numerosos processos que se dizem aguardar julgamento”, refere o juiz jubilado.