Gilberto Gil tem uma canção em que numa parte da letra diz: “…olha lá vai passando a procissão/ se arrastando que nem cobra pelo chão.”
O ano de 2023 começou como era suposto começar .
Mais uma vendedora de mobilidade foi alvejada, mortalmente, por um agente da Polícia Nacional e o Presidente da República, para não variar, observa um silêncio tumular.
E quando é assim, o ministro do Interior sente-se impulsionado a preencher o vazio e ocupa-o com um discurso musculado e, a mais das vezes, insultuoso.
Nesses casos, o ministro parece encontrar um incentivo no silêncio do Presidente da República.
No novo/velho ano, o distribuidor de bolachas e rebuçados proferiu um discurso de elevado teor abstrato contra os frequentadores das redes sociais: “passam a vida nas redes sociais, não trabalham e nem fazem nada”, disse do alto da sua sapiência
Porventura, Eugénio Laborinho desconhece que o Presidente da República tem ele próprio uma página no facebook e outra institucional, gerida pelo CIPRA, que publica diariamente a actividade presidencial.
Assim, o Presidente da República e os gestores da página presidencial “não trabalham, não fazem nada”?
E a provar que é velho o ano novo, a corrupção na polícia nacional atingiu a Polícia Nacional.
Um agente regulador de trânsito “penteou” o próprio superior hierárquico e o facto só teve lugar por uma de duas razões: ou o agente estava tão ocupado com a gasosa que não teve tempo de conhecer o seu próprio comandante ou a gasosa está instituída de tal forma na corporação que tornou-se uma prática regulamentar.
Entretanto, desaparece um navio pesqueiro nas barbas da Polícia e nesta altura faltam-lhe palavras para o discurso.
O navio zarpou de Luanda para uma longa e alegre peregrinação marítima e já próximo da costa europeia veio a revelar-se, tanto o seu destino como a sua “preciosa” carga: cocaína.
No Parlamento, um deputado da situação, do alto da sua cátedra e julgando-se dono de todo o dinheiro (DTD) investiu o seu latim contra a oposição por se abster de aprovar o Orçamento Geral da situação e, todavia, aprovar o orçamento interno da casa.
Para variar, a greve dos professores do ensino geral ameaça transitar de ano, posto que os Ministérios das Finanças e do Trabalho não encontram nos cofres massa monetária suficiente para cobrir os doze por cento que os “mestres” reivindicam.
O velho/novo ano começou com chuvas e as crianças nas escolas sabem melhor que ninguém as estações do ano, posto que têm de andar ao sol e à chuva todo ano, de casa para a escola e vice -versa.
De Malanje a Saurimo seriam cinco horas de viagem por via terrestre, mas agora demora-se cinco dias e este tempo (quase que sobrenatural para uma viagem neste trajecto) demanda um esforço capaz de exaurir todas as forças dos camionistas.
Finalmente, no sector da Justiça surgem duas notícias animadoras: a primeira (a mais fresca), reza que uma juíza jubilada do Tribunal Constitucional vai agora ocupar o posto de embaixadora em Paris.
A segunda (mais antiga) diz que todo o corpo dos juízes do Tribunal Supremo frequentará um curso em Portugal que se destina a refrescar as memórias sobre o direito antigo e as suas novidades dos tempos novos.
Em resumo, tudo isso só se torna possível, porque em ambos os casos o Presidente da República dispõe de super-poderes conferidos pela Constituição atípica.
Enfim, a procissão arrasta-se anos após anos. Como canta Gilberto Gil na referida canção: ” entra ano, sai ano, e nada vem.”