Os “gatunos” do Presidente João Lourenço

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1.   De acordo com o Club-K, no dia 3 de Fevereiro, o Presidente da República chamou ao palácio presidencial o presidente do Tribunal Supremo para lhe pedir explicações sobre sucessivos escândalos de corrupção e chantagem em que Joel Leonardo seria peça-chave.

De acordo com o portal, essa seria a segunda ida de Joel Leonardo ao palácio presidencial no espaço de 10 dias.

A primeira “convocatória” a Joel Leonardo chegou-lhe às mãos quando presidia a uma reunião do Conselho Superior da Magistratura Judicial. No palácio presidencial, o presidente do Supremo foi confrontado com provas de extorsão praticadas pelo seu sobrinho Silvano Manuel. 

Na segunda ida à Cidade Alta, Joel Leonardo ouviu do Presidente da República uma exigência ao Procurador Geral da República para o imediato apuramento de recorrentes denúncias envolvendo o próprio presidente do Tribunal Supremo em práticas de peculato, chantagem e extorsão. 

Nessa altura, o Presidente da República já estava minuciosamente informado da tentativa de extorsão de 3 biliões de kwanzas, o equivalente em dólares a quase 6 milhões de dólares, a Augusto Tomás, feita por emissários de Joel Leonardo.

No encontro, João Lourenço deixou claro a Pitta Gróz que queria o apuramento dos factos o mais rapidamente possível.

A caminho do tribunal e já encharcado em suores, Joel Leonardo telefonou ao seu advogado Carlos Salombongo, a quem não só expôs o que acabara de ouvir no palácio presidencial, mas também pediu uma saída para a “borrasca” em que se envolveu.

Porém, enquanto Joel Leonardo e Carlos Salombongo  desenhavam a fuga, para a Namíbia, de  Silvano Manuel, o principal “operativo” do esquema de corrupção e extorsão, a PGR expedia um mandado de captura contra o sobrinho do presidente do Tribunal Supremo.

Capturado em Benguela e “repatriado” para Luanda, Silvano Manuel não hesitou em dar com a língua nos dentes.

À “espontânea” confissão de Silvano Manuel, a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), da Procuradoria Geral da República juntou as declarações de Augusto Tomás e esposa, do que resultou um “cabaz” de provas contra o presidente do Tribunal Supremo.

Ou seja, a Procuradora Geral da República já fez a sua parte.

2.  No dia 14 deste mês, o Club-K noticiou que Exalgina Gamboa, presidente do Tribunal de Contas, teria liminarmente rejeitado uma “sugestão” da direcção do MPLA para renunciar voluntariamente ao cargo por causa dos numerosos escândalos em que está envolvida.

 Segundo o portal, Exalgina Gamboa teria sido “amigavelmente convidada” pela Comissão de Ética e Auditoria do Comité Central de quem recebeu a “sugestão” de renunciar voluntariamente ao cargo.

Os “estrategos” do Kremlin presumiram que a renúncia voluntária de Exalgina Gamboa pouparia o MPLA e o próprio Presidente da República do desgaste a que a sua gestão errática do Tribunal de Contas os expõem.

Exalgina Gamboa, antiga deputada pelo MPLA, tem fortes laços de amizade e empresariais com o Presidente do MPLA e da República. 

Na quinta-feira, 17, Edivaldo Tito, um filho de Exalgina Gamboa, responsabilizou os meios de comunicação social pela degradação da saúde da mãe.

Em carta que espalhou pelas redes sociais, Edivaldo descreveu a mãe como “uma mulher divorciada a mais de 30 anos, trabalhadora e independente”, que  inclui na sua rotina diária “a sua primeira oração as 5h da manhã “ e uma segunda, já feita em” grupo de oração as 21h”.

Edivaldo Tito não explica a relação entre o estado civil de mãe e as suas traquinices no Tribunal de Contas.

Atribuindo-lhe “gostos humildes”, Edivaldo Tito queixa-se de perseguição à mãe, a qual lhe “tem provocado problemas graves à saúde”.

Presumivelmente banhado em lágrimas, Edivaldo diz que recorre às redes sociais “para esclarecer que nós somente queremos a nossa mãe de boa saúde, para continuar a cuidar dos seus filhos, e criar os seus netos”. 

O “miúdo” Edivaldo vê em  jornalistas e outros actores actores  sociais que denunciam as traquinices da “irmã” Exalgina “inimigos políticos” que “ pretendem manchar o seu bom nome, e manchar o nome dos seus filhos que também já são profissionais a cerca de 20 anos”.

No mesmo dia em que Edivaldo Tito reclamava a sua maioridade bem como a dos seus dois irmãos, Rafael Marques publicava no seu Maka Angola um artigo com esse sugestivo título: TRIBUNAL DE CONTAS. A AGÊNCIA DE VIAGENS DOS FILHOS DE EXALGINA.

Com datas, itinerários e custos, Rafael Marques prova que nenhum dos filhos adultos de Exalgina Gamboa paga do próprio bolso os bilhetes de passagem para os seus frequentes passeios a Lisboa e outros destinos europeus. A benesse é extensiva aos netos da presidente do Tribunal de Contas.

O Maka Angola escreve, nomeadamente, que “(…)  o valor total dos bilhetes de passagem em classe executiva, pagos pelo cofre privativo do tribunal, para as viagens de Hailé, Eliana e Edivaldo Cruz e netos ainda está a ser contabilizado. Isso não impede de fazer desde já um cálculo simples: um bilhete em classe executiva de Luanda a Lisboa custa, em média, cinco mil dólares. Bem se pode adiantar que é uma verdadeira sangria de dinheiros públicos.

Nenhum dos três filhos de Exalgina Gambôa trabalha no Tribunal de Contas. Actualmente, o primogénito, Hailé da Cruz, é membro do Conselho de Administração da UNITEL Money, indicado pela Sonangol. Antes, foi membro do Conselho de Administração do Banco Yetu, onde está domiciliada a conta do cofre privativo do Tribunal de Contas, que tem pago várias despesas indiciadoras de peculato e corrupção por parte de Exalgina Gambôa.

Por sua vez, a arquitecta Eliana da Cruz é coordenadora de projectos na empresa Imogestin, S.A., cujo presidente do Conselho de Administração, há 22 anos, é o seu pai, Rui Cruz.

Já Edivaldo Cruz assume, na sua página do LinkedIn, ser “empreendedor, investidor, consultor, blogger, palestrante e pai”, depois de ter passado pelo Standard Bank Angola. Então, como é que um empreendedor e investidor sério precisa da mãe para lhe comprar bilhetes de passagem em classe executiva para as suas excursões a Lisboa?

Para as férias de Natal, este órgão de fiscalização das contas do Estado pagou o bilhete de passagem, em classe executiva Luanda-Lisboa, de Edivaldo Tito Vicente da Cruz, com saída a 19 de Dezembro de 2022 e regresso a 13 de Janeiro do corrente ano.

Por sua vez, Eliana Cruz tem o bilhete de passagem, em classe executiva, pago para sair de Lisboa rumo a Luanda em 23 de Março de 2023, com regresso previsto à capital portuguesa no dia 8 de Abril deste ano.

Regra geral, as viagens dos filhos de Exalgina Gambôa são acompanhadas de pedidos à directora-geral do Protocolo de Estado do Ministério das Relações Exteriores para que a sua prole utilize a sala protocolar do aeroporto. São demonstrativos o ofício nº 154/TC/2022 de 2 de Maio de 2022, para a viagem a Lisboa, no dia seguinte, de Edivaldo Cruz; e o nº 252/TC/2022 de 21 de Julho de 2022, para a viagem a Lisboa, dois dias depois, de Hailé Cruz. O teor dos pedidos é sempre o mesmo, mudando apenas os nomes dos filhos e as datas: “A Direcção dos Serviços Administrativos vem pelo presente solicitar autorização para a utilização da sala de Protocolo do Estado do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, no acto de viagem de entidades adstritas à veneranda juíza conselheira presidente, Dra. Exalgina Gambôa: Hailé Cruz – filho.”

Essa farra dos bilhetes de passagem para os filhos remonta a 2019. Por exemplo, para as férias de Natal de 2019, a Direcção dos Serviços administrativos do Tribunal de Contas solicitou a emissão de quatro bilhetes de passagem no trajecto Luanda-Lisboa. Em primeira classe, para a sua presidente, em executiva para a filha desta, Eliana, e os dois bilhetes em económica para os escoltas Januário Chiquito e Manuel de Almeida, que as acompanharam às compras e aos passeios por Lisboa.

Ademais, a 17 de Dezembro de 2019, o mesmo tribunal solicitou mais um bilhete em classe executiva, no valor de cinco mil dólares, para a viagem de Eliana Cruz, com partida de Luanda a 30 de Abril de 2020 e regresso, a partir de Lisboa, a 17 de Maio do mesmo ano.

Para o Maka Angola os “factos descritos compreenderão a prática de crimes de peculato e tráfico de influências, além dos crimes fiscais cometidos quando se recebem rendimentos não declarados. O crime de peculato está previsto no artigo 362.º do Código Penal e acontece quando alguém em funções públicas se apropria ilegitimamente, em virtude do seu cargo, de algo que não lhe pertence. Já o crime de tráfico de influências é previsto e punível pelo artigo 386.º do mesmo Código Penal, e ocorre quando alguém aceita a influência junto de uma entidade pública para obter uma vantagem. O peculato aplicar-se-á às acções da juíza presidente, enquanto o tráfico de influências se aplicará aos filhos.”

Embora se reclame adulto e até pai, não se sabe se Edivaldo Tito já consegue perceber que não há meios de comunicação nenhuns responsáveis pela pretensa degradação da saúde da sua mãe. Também não é garantido que o filho de Exalgina já consegue perceber que não há “inimigos” nenhuns que “pretendem manchar o bom nome” da mãe e dos seus filhos.

O que Edivaldo Tito precisa de perceber, de uma vez por todas, é que a maior inimiga de Exalgina Gamboa é a presidente do Tribunal de Contas.

O “nó” do problema está no Tribunal de Contas, que Exalgina Gamboa primeiro transformou em seu mealheiro e agora fez-lhe um upgrade, juntando-lhe as funções de agência de viagens.  

3.  “A Justiça desempenha um papel central no resgaste do sentimento de confiança nas instituições do Estado, porque os cidadãos precisam de acreditar que ninguém é rico ou poderoso demais para se furtar a ser punido, nem ninguém é pobre demais ao ponto de não poder ser protegido”.

(João Lourenço, na cerimónia de investidura como terceiro Presidente de Angola, no dia 26 de Setembro de 2017)

Indiscutivelmente o maior “soundbite” que produziu desde que é Presidente da República de Angola, João Lourenço tem agora à prova a sua coerência. 

Joel Leonardo e Exalgina Gamboa, dois ricos e poderosos, não são sequelas  que  João Lourenço tenha herdado de José Eduardo dos Santos. Os dois são, como diriam os Tunezas, “gatunos” do Presidente João Lourenço.