Joel, o mal-agradecido

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Diz a sabedoria popular que as aparências iludem.

Joel Leonardo é a personificação desse dito.

Em 2018, podendo escolher entre Joaquina do Nascimento, Joel Leonardo e Norberto Sodré para dirigir o Tribunal Supremo, o Presidente João Lourenço decidiu-se pelo segundo.

Com certeza, o Chefe de Estado identificou em Joel Leonardo o perfil de um homem obediente e zeloso cumpridor de “ordens superiores”.

Muito certamente, o Presidente João Lourenço  também viu em Joel Leonardo a humildade que caracteriza a generalidade das pessoas vindas do interior.

Para o Presidente da República, Joel Leonardo corporizaria o que os brasileiros dizem o genro com que toda a sogra sonha. Ou um bom moço, como diriam as nossas irmãs angolanas. 

Foram também as aparências que iludiram o Presidente da República quando escolheu o presidente do Tribunal de Contas.

Muito provavelmente, João Lourenço viu no rosto de Exalgina Gamboa, já vergastado pela idade, uma boa guardiã de dinheiro público.

Foi traído.

Por detrás daquela cara de vovozinha preocupada com os filhos, mas sobretudo com os netos, estava uma compulsiva “katuna”, que a Procuradoria-Geral da República já constituiu em arguida, não vá ela escapulir-se.

Voltemos, porém, ao ponto de partida.

Joel Leonardo deu provas de menininho bem comportado quando, em 2019, deu expressiva demonstração de que a luta contra a corrupção (“cartão de visita” de JL) seria transformada num vale tudo, em que até arrancar olhos é permitido.  

 Antigo ministro dos Transportes de José Eduardo dos Santos, Augusto Tomás foi condenado à pena de 14 anos de prisão efectiva.

Recorrida, Augusto Tomás viu reduzida para oito anos.

Em Setembro de 2022 e após cumprir 1/3 da pena, Augusto Tomás requereu ao TS a sua liberdade condicional. Geraldes Modesto, presidente da Câmara Criminal do Tribunal e muito chegado a Joel Leonardo, indeferiu o pedido, sob a alegação de que a pena de 8 anos seria demasiado branda para os crimes imputados a Tomás.

Contra ventos e marés, Augusto Tomás acabaria  por sair em liberdade condicional em Dezembro passado. 

Joel Leonardo voltou a dar exemplo de menino bem comportado quando em 2020 afastou o juiz-conselheiro Agostinho dos Santos da corrida à presidência da Comissão Nacional de Eleições. 

Mas, as cartas que escreveu ao Presidente da República e à Assembleia Nacional garantindo aos dois órgãos de soberania que o concurso para a escolha do presidente da CNE decorreu sem traumas e que não deu lugar a qualquer tipo de reclamação, começavam, já, a revelar um lado pouco conhecido de Joel Leonardo: o de inescrupuloso.

O concurso para a liderança não estava arrumado porque um dos concorrentes, Agostinho dos Santos, o impugnara. 

Já que tanto ao Presidente da República quanto ao MPLA covinha um “catedrático” em trambiquices  – e Manuel Pereira da Silva “Manico” deu disso boa conta quando presidiu a Comissão Eleitoral de Luanda -, a mentira de Leonardo não foi investigada e o assunto foi engavetado.    

À medida que ia cumprindo zelosamente ordens que atribuía ao Presidente da República, nomeadamente a prisão injustificada prisão domiciliar de José Filomeno dos Santos (Zenu), o inexplicado arquivamento de um processo envolvendo o general Higino Peito Alto Carneiro, o arrastar dos pés no caso de Manuel Rabelais, começou a vir ao de cimo o trapaceiro que se escondia naquela aparência de rapaz humildade.

Joel Leonardo  descobriu, entre outras coisas, que não precisa de suar as estopinhas para viver numa casa de sonho e muito menos trabalhar bastante para rechear a sua conta bancária. Basta-lhe escolher uma de entre os imóveis pertencentes a maribondos caídos em desgraça e “secar-lhes” os depósitos bancários.  

As recorrentes denúncias de sentenças negociadas e, mas recentemente, a tentativa de extorsão de Augusto Tomás mostraram que  após ter provado o   “mel”, Joel Leonardo agora não quer outra coisa que não seja a vida fácil. Ao mesmo tempo que se multiplicava em ignóbeis negociatas, o reformado brigadeiro das FAA decidiu extinguir o desemprego na sua terra natal, Caconda, chamando para o Tribunal Supremo, Conselho Superior de Magistratura Judicial e seus apendidas “todos” os seus  familiares e conterrâneos.

Recentemente, o Club-K publicou uma extensa relação de familiares de Joel que constam das folhas salariais do Tribunal Supremo e da CSMJ.

O mesmo portal também já publicou a relação de empresas de familiares do brigadeiro, mulher incluída, que prestam serviços àquelas duas instituições.

Em nenhum momento ocorreu a Joel Leonardo que ao empregar todos os familiares e conterrâneos e ao contratar empresas de familiares para prestar serviços ao TS e ao CSMJ estaria a pisar as linhas vermelhas do nepotismo e do negócio consigo próprio.

Deslumbrado com a “dolce vita”, Joel decidiu estuprar o gabinete do presidente do Tribunal Supremo, convertendo-o, momentaneamente, numa parada militar para colocar a patente de major ao sobrinho Silvano Manuel, o executor de missões pouco edificantes.

Com as suas repugnantes práticas, Joel Leonardo arrastou a Justiça para o descrédito total.

No seu lugar, qualquer pessoa sensata teria colocado o cargo à disposição para permitir que a PGR faça, em perturbação, o que lhe cumpre fazer, que é investigar as numerosas suspeitas que envolvem o presidente do Tribunal Supremo.

Mas, Joel Leonardo não dá sinais de pretender sair. E com essa atitude, ele não só aprofunda a crise, como embaraça profundamente o Presidente da República.

Joel Leonardo está a revelar-se um ingrato, um mal-agradecido, que embaraça quem nele apostou, provavelmente movido pelos mais genuínos propósitos.

Obstruindo reiteradamente o funcionamento do Tribunal Supremo, como mais uma vez se  verificou esta sexta-feira, 17, Joel Leonardo está ostensivamente a desafiar o Presidente da República para um confronto público.

Dir-se-ia que a criatura desafia o criador.