Um campeão sem faixa

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“Só não compram o Prémio Mô Ibrahim, destinado à boa governação em África porque o promotor é um bilionário sudanês”.

(De um post de Serafim Simeão, presumivelmente a propósito do Prêmio José Aparecido de Oliveira ao Presidente angolano, João Gonçalves).

A intrigante sucessão de prémios, de escasso ou nulo reconhecimento internacional, a dignitários angolanos torna cada vez mais evidente que ou esses prêmios são vendidos nos “Roque Santeiro” espalhados um pouco por todo o mundo ou são “confeccionados” à medida.

A “chuva” de premiação de angolanos  começou em 2007 quando, uma combinação de factores como o controlo da inflação, a alta do preço do petróleo e o dinheiro fresco emprestado pela China colocaram a economia angolana entre as que mais cresciam no mundo , José Pedro de Morais, então ministro das Finanças, foi distinguido com o prémio “The Banker”, promovido por uma revista de negócios e finanças de circulação restrita.

Um grupo de observação internacional  da mencionada publicação e que diz dedicar-se à transparência e ao acompanhamento de programas de governos, descreveu o desempenho de José Pedro de Morais em 2007 como excelente, nomeando-o melhor ministro das Finanças do continente africano.

Segundo um comunicado então emitido, para a escolha de José Pedro de Morais, o  grupo “The Banker considerou,  também, aspectos como luta contra a corrupção, combate à fuga ao fisco e aplicação de preceitos de economia de mercado”. 

Alguns anos antes, o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, qualificou a corrupção como o segundo maior mal que afectava Angola, logo depois da guerra.

Não obstante essa constatação,  em 2007 a corrupção não era punida ou desencorajada judicialmente.  Jornalistas, sobretudo, foram julgados e condenados porque a Justiça não reconhecia as provas de corrupção com que sustentavam as suas matérias. À época, vice de João Maria, o actual Procurador Geral da República não “via” quaisquer indícios de corrupção no País.

Por isso,  nunca se soube quê corrupção José Pedro de Morais combatia e como o fazia.

A atribuição do prêmio de melhor ministro das Finanças de África a JP de Morais, também conhecido como Pioneiro Zeca, coincidiu com o momento em que ele transferiu para a sua mulher a gestão da dívida pública. 

A validação, os montantes a pagar bem como as incontornáveis comissões eram negociadas por Emília de Morais. A então designada “Madame Dívida Pública” nunca foi funcionária do Ministério das Finanças. Era considerada como inflexível: ou os credores cediam às suas exigências, traduzidas em elevadas percentagens sobre os valores devidos pelo Estado,  ou o dossier regressava ao Ministério das Finanças com recomendações que desencorajavam uma nova análise. 

Seja como for, por acção directa ou não do então ministro, 2008 foi o único ano em que os angolanos viveram menos agruras e o próprio MPLA apresentou-se às eleições com cara limpa, o que lhe rendeu uma retumbante vitória nas eleições daquele ano.

Decorridos sete anos e  praticamente com a mesma lengalenga,  The Banker distinguiu Armando Manuel como o melhor ministro das Finanças de África.

Em 2014, o ano da segunda distinção, Angola vinha de um prolongado “boom” petrolífero, iniciado em 2002, e que lhe terá rendido, no mínimo, mais de 600 biliões de dólares. 

Aos muito petrodólares, Angola acrescentou 20 biliões de dólares que tomou novamente de empréstimo à China. 

The Banker juntou as sobras do “boom” petrolífero aos bilhões emprestados pelos chineses e converteu-os em prémio de melhor ministro das Finanças de África para Armando Manuel. 

 O premiado consulado de Armando Manuel foi todo ele atravessado por desenfreada roubalheira e pilhagem do dinheiro público. 

Iniciada em 2002, logo depois que o fim da guerra coincidiu com um “salto da gazela” do preço do petróleo, no consulado de AM, a roubalheira e a pilhagem  ombrearam  com práticas que têm dignidade constitucional.

Ministra das Finanças de João Lourenço desde Outubro de 2017, Vera Daves ainda foi a tempo de inscrever o seu nome na lista dos vencedores do prémio já quando o primeiro mandato caminhava, aos trambolhões, para o fim…

Em Maio de 2022, The Banker retomou a ladainha do FMI que exalta melhorias na gestão  macroeconómica, mas sem qualquer tradução no dia-a-dia dos cidadãos, para justificar a atribuição do seu prémio anual à ministra das Finanças de Angola.  

“Vera Daves foi reconhecida como Ministra das Finanças do Ano pelo seu trabalho em restaurar a estabilidade e a confiança dos mercados em Angola”. A generalidade dos angolanos desconhece o resultado da aludida “estabilidade e  confiança dos mercados”.

Mas, diferentemente dos seus antecessores, em 2022 Vera Daves não foi a única estrela cintilante no “firmamento”. Dividiu o palco com o Projecto de Abastecimento de Água do Bita, no distrito de Vila Flor, em Luanda, premiado como Negócio de Infraestruturas do ano. Outra “ficção científica” para a generalidade dos habitantes daquela sofrida localidade de Luanda.

Também indiferentes ao conhecimento e às percepções que os angolanos têm dos seus dirigentes, geralmente negativas, duas outras instituições juntaram-se à banalização das distinções. 

No fim de Abril daquele mesmo ano de 2022, uma confraria de amigos e cúmplices, reunidos na até agora inútil União Africana, uma fracassada sucessora da OUA, inventou para o Presidente angolano a distinção de campeão da paz

Segundo os “sábios” africanos, João Lourenço justificou a distinção por causa dos seus esforços “na liderança da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), na busca da paz, do diálogo e da estabilidade em vários países do continente africano”.

Em Fevereiro deste ano de 2023 e em mais um dos seus dispendiosos passeio ao estrangeiro, nesse caso em Addis Abeba, o dito “campeão da paz” foi citado pela ANGOP como tendo reafirmado o compromisso e disponibilidade para honrar a missão de pacificar e reconciliar a África.

Em obediência a esse compromisso, o “campeão”, a expensas do erário angolano, já reuniu em Luanda inúmeras reuniões de Chefes de Estado para, no essencial, debelar o conflito armado que grassa na RDC, com o envolvimento directo de forças armadas de, pelo menos, três países e de milícias locais.

Nada parcimonioso, JL já empatou milhões de dólares em estéreis deslocações a Kinshasa, Congo Brazzaville, Bujumbura e outras cidades. 

O facto é que, não obstante o título e, sobretudo, o dinheiro dos angolanos que envolve nesse exercício de narcisismo,  João Lourenço não conseguiu pacificar região alguma. Tropas da RDC, Rwanda, Burundi e Uganda continuam a digladiar-se sangrentamente em território congolês enquanto países ocidentais esfregam as mãos de contentes.

Temos um campeão sem faixa!

 Em Fevereiro de 2021, a Polícia angolano, segundo diversas fontes, matou ou massacrou centenas de pessoas  na localidade diamantífera de  Cafunfo por essas haverem reagido ao  que consideravam repetidos abusivos praticados pelo comando local da Polícia.

O Presidente da República não só não mostrou qualquer compaixão com as vítimas como nunca ordenou um inquérito aos factos. 

Desde 1975 que parte da população de Cabinda reclama, de armas na mão, autonomia ou independência de Angola.

A caminho do sexto ano no poder, João Lourenço nunca foi a Cafunfo  ou a Cabinda para ouvir, de viva voz,  a “raison d’être” da insatisfação das populações locais e identificar com elas as saídas.

Donde, a pergunta: se o “campeão” é incapaz de pacificar e reconciliar os seus próprios concidadãos, de quem, aliás, não esconde profundo desprezo, porquê carga de água será capaz de estabelecer a paz entre os diversos “banyamulenges” que disputam os imensos recursos naturais da RDC?

Para completar a farsa de prémios, a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) decidiu, no dia 15 deste mês, distinguir o Presidente João Lourenço com o prémio Aparecido de Oliveira.

Segundo uma nota da CPLP, outro clube de amigos, o chefe de Estado angolano foi distinguido pelo “contributo ímpar para a projecção internacional da CPLP, especialmente para a implementação do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-membros da CPLP” e “a criação do novo objetivo geral da CPLP, de cooperação económica”.

Um dos objectivos da organização, pelos quais o brasileiro José Aparecido de Oliveira se bateu, é a divulgação e defesa da língua portuguesa no mundo.

Só pessoas com “fios descarnados” na cabeça podem incluir os Presidentes de Angola e de Moçambique entre os cultores e defensores da língua portuguesa.

Quanto à pretendida mobilidade entre os Estados-membros da CPLP os factos dizem que enquanto Portugal, mais, e Brasil, menos, escancaram ou flexibilizam as suas fronteiras aos cidadãos de países membros da comunidade, Angola marcha no sentido inverso, criando cada vez mais obstáculos à entrada de portugueses, brasileiros, cabo-verdianos e outros no seu território.

A insistência nos testes ou vacinas de Covid-19, uma pandemia que a OMS já considera praticamente dobrada, insere-se na estratégia global de Angola de impedir o acesso ao seu território de cidadãos estrangeiros, mesmo que originários de países com os quais assinou  acordos de mobilidade.

A premiação do Presidente angolano pelo “contributo ímpar para a projecção internacional da CPLP, especialmente para a implementação do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-membros da CPLP” é o fim da picada.

Vendo bem, o Club-K é capaz de estar carregado de razão quando, aqui há alguns anos, disse que grande parte dos prémios atribuídos a governantes angolanos são feitos à medida e pagos pelos cofres públicos.

É isso que explica a frequência com que Norberto Garcia, hoje feito um dos mais agressivos pitbuls de João Lourenço, mobilizava prémios semanais para José Eduardo dos Santos, o homem a quem desejou tréplica, mas por quem não deitou uma única lágrima pela sua morte.