Os 90 deputados à Assembleia Nacional eleitos pela lista da UNITA subescrevem amanhã, em acto público, a proposta de iniciativa de processo de acusação e destituição do Presidente da República.
A subscrição da proposta é o primeiro de vários procedimentos que antecedem a responsabilização criminal ou a destituição do Presidente da República.
O nº 1 do Artigo 129.º da Constituição estabelece que o Presidente da República pode ser destituído do cargo quando lhe sejam comprovadamente imputados crimes tais como:
a) de traição à Pátria e espionagem;
b) suborno, peculato e corrupção;
c) ser titular de alguma nacionalidade adquirida;
d) prática de crimes hediondos e violentos tal como definidos na presente Constituição;
e) violação da Constituição que atente gravemente contra o Estado democrático e de direito, a segurança do Estado e o regular funcionamento das instituições
O Presidente da República pode ainda ser destituído por incapacidade física e mental definitiva para continuar a exercer o cargo.
A alínea b) do nº 5 do referido artigo dispõe que a proposta de iniciativa de destituição do Presidente da República é apresentada por um terço dos Deputados em efectividade de funções. A UNITA tem mais do que os 73 deputados que a Constituição requer.
No dia 19 de Julho, a UNITA fez uso da prerrogativa estabelecida na alínea b) do nº 5 do Artigo 129.º e anunciou uma inédita proposta de iniciativa de processo de acusação e destituição do Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço..
Falando a jornalistas, o presidente da bancada parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka (na foto) sustentou que a iniciativa visa a “ defesa do Estado Democrático e de Direito, o resgate da Soberania Popular e o asseguramento do regular funcionamento das Instituições por meio da efectiva separação de poderes e interdependência de funções do Estado”.
O líder da bancada parlamentar da UNITA disse ser” notório que o Presidente da República em funções subverteu o processo democrático, tendo consolidado no País um regime autoritário, que atenta contra a paz e contra os direitos fundamentais dos angolanos”
De acordo com a UNITA, o actual Presidente da República não assegura o “pluralismo nem igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas correntes de opinião política no espaço público”, protegidos na Constituição da República de Angola.
O maior partido acrescenta que no actual consulado do Presidente João Lourenço os “cidadãos são prejudicados, privilegiados, privados de direitos políticos e sociais” e “isentos de deveres constitucionais e legais em razão da sua ascendência, raça, etnia, convicções políticas, língua, local de nascimento, grau de instrução e, especialmente, condição económica ou social”.
Afirmando só existir em Angola um poder efectivo”, que “funciona cada vez mais como uma autocracia”, a UNITA refere que tal situação subverte e “constitui um crime de violação da Constituição”, dado que atentaria “gravemente contra o Estado Democrático de Direito”.
A UNITA imputa ao Titular do Poder Executivo a captura do Estado por uma oligarquia, que é, segundo alega, “dirigida, mantida e controlada pelo Presidente da República para promover a desvalorização do Sistema Nacional de Educação, a aculturação estruturada da juventude, a delapidação estruturada dos recursos nacionais, o empobrecimento das maiorias e a insustentabilidade da coesão e do progresso social”.
“Ao furtar-se ao cumprimento das tarefas fundamentais do Estado, identificadas no artigo 21.º da Constituição, e promover em seu lugar políticas erradas de governação e bloquear a fiscalização dos seus actos de governação pelos órgãos competentes e independentes do Estado, o Presidente da República em funções, enquanto Titular do Poder Executivo, pelos poderes que detém e utiliza nos termos da Constituição, tornou-se no único responsável político pela crise geral de governação que o País vive, e que se manifesta nas taxas de desemprego superiores a 70% que se verificam na camada populacional que tem menos de 40 anos; na pobreza multidimensional, na fome multiforme e generalizada; na manipulação dos preços; no assalto ao Tesouro Nacional para financiar directa e indirectamente os investimentos privados da oligarquia que protege; no aumento constante e insustentável das taxas de juro, da taxa de inflação e da dívida pública; na corrupção institucionalizada de alta hierarquia; enfim, no empobrecimento estrutural e contínuo dos angolanos”, afirma.
Dois dias antes do anúncio público da proposta de iniciativa de processo de acusação e destituição do Presidente da República, o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, disse, numa extensa comunicação a jornalistas, que “a crise económica e financeira que assola o País advém de razões de corrupção, peculato, saque desenfreado e políticas desajustadas”.
Adalberto Costa Júnior disse que o Governo do Presidente João Lourenço estreitou os vínculos da corrupção com o peculato.
O Presidente da UNITA atribuiu ao Presidente da República, em 2022, o roubo de 1.800.000.000.00 milhões de dólares para sustentar a sua própria campanha e a do seu Partido, o MPLA”.
“As contas públicas continuam a saque e o seu apogeu, conforme sucedeu durante as últimas eleições realizadas no País, quando o Presidente da República, em acto unilateral, subtraiu do erário público o gigantesco montante equivalente a mais de 1.800.000.000,00 Milhões de dólares americanos com que sustentou a sua própria campanha e a do seu Partido, o MPLA”.
Adalberto Costa Júnior disse que em 2017 a UNITA já tinha advertido para o surgimento da presente crise política.
“Nós, em 2017, dissemos que o MPLA tinha colocado o país numa profunda crise de valores: um Estado predador, uma constituição atípica, uma economia prostituída, uma dívida pública insustentável e um sistema financeiro opaco, sem credibilidade”.
Alinhada com a iniciativa de destituição do Presidente da República que a UNITA apresentaria dois dias depois, ACJ disse na comunicação aos jornalistas que não “podemos permitir que a população angolana seja reduzida a meros mendigos, vasculhando contentores de lixo em busca de sobrevivência.
É hora de exigir uma governação responsável, comprometida com o bem-estar e o futuro do país. A Angola que almejamos é aquela em que as pessoas sejam valorizadas, capacitadas e produtivas, contribuindo para o desenvolvimento e construindo uma sociedade mais justa e igualitária. É chegada a hora de reestruturar e reconstruir a economia angolana, colocando as pessoas no centro das políticas de modo a garantir um futuro digno para todos”.
No dia 20 de Julho e sem contestar os fundamentos evocados pela UNITA para a sua iniciativa de destituição do Presidente da República, o Bureau Político do MPLA acusou o principal adversário de pretender chegar ao poder fora do quadro institucional e formal.
Embora se defina como “Partido fundador da Nação e defensor intrépido da Constituição da República e dos princípios e valores em que assentam os pilares da democracia”, o MPLA não se coibiu de se referir-se à iniciativa, que tem pleno respaldo constitucional, como “estratégia de criação de um clima de instabilidade institucional” conducente “à tentativa de criar um quadro político que justifique a sublevação popular e à ascensão da UNITA ao exercício do poder, sem a necessária legitimação democrática”.
Depois do comunicado do Bureau Político, algumas hordas de militantes, pouco entusiasmadas, desfilaram por ruas de algumas capitais de província vociferando impropérios contra a UNITA e dizendo-se solidárias ao líder cuja destituição será formalmente desencadeada amanhã.
A subscrição da iniciativa da UNITA tem causado imenso incómodo ao MPLA.
Apesar da sua maioria absoluta na Assembleia Nacional, o MPLA dá provas de alguma insegurança.
Dir-se-ia que não põe as mãos no fogo pela fidelidade os seus 124 deputados, mais os dois do PHA.
Segunda-feira, 14, o secretário para a Propaganda do MPLA, Rui Falcão, agarrava-se à ténue esperança de que deputados da UNITA não subscreverão a proposta de destituição do Presidente João Lourenço.
“Sabemos que há vários deputados da UNITA que não se reveem naquele requerimento”, balbuciou em entrevista ao Correio da Kianda.
Numa recente participação no programa Conversas Essenciais, da Rádio homónima, o presidente da bancada parlamentar da UNITA disse não ter a menor dúvida que todos os 90 deputados eleitos pela sua bancada subscreverão a proposta.