Fontes oficiosas em Luanda anunciam para hoje, quarta-feira, uma curta deslocação do Presidente da República a Brazzaville para uma reunião de trabalho com o seu homólogo Dennis Sassou Nguessou.
O “leit motiv” da ida de João Lourenço, segundo as mesmas fontes, seria o golpe de Estado acabado de ocorrer na República do Gabão.
Segunda-feira, após dar posse à nova directora geral adjunta do Serviço de Inteligência Externa, Teresa Bento da Silva, o Presidente da República recomendou-lhe “olhos bem abertos a tudo o que se passa no mundo, sobretudo em termos de segurança, em termos de estabilidade dos países”, para prevenir surpresas como a de madrugada de terça-feira, em que “acabámos de ser informados com alguma instabilidade, que, em princípio, reina aqui no país irmão muito próximo de nós”.
Mas, o Presidente da República deveria colocar-se a si próprio a obrigação de ter os “olhos bem abertos a tudo o que se passa”.
Se os tivesse menos sonolentos ou se soubesse ler os sinais dos tempos, o Presidente João Lourenço saberia o que o ancião Dombele Bernardo, decano dos embaixadores angolanos, já sabia há muito: que a crise no Gabão era inevitável, sobretudo depois que Ali Bongo reclamou, nas últimas eleições, vitória com mais de 100% dos votos…
Ele próprio golpista, qualidade que o Presidente João Lourenço não deveria ignorar, Dennis Sassou Nguessou não é, garantidamente, o melhor interlocutor com quem abordar o surto de golpes de Estado que tem varrido a África desde o princípio do milénio.
O Presidente da República Popular do Congo não tem moral e nem lições a dar.
Denis Soassou Nguesso chegou a Presidente do Congo em 1979. Treze anos depois, em 1992 foi afastado do poder após perder, de modo clamoroso, as primeiras eleições multipartidárias para o Professor universitário Pascal Lissouba.
Em 1997, com apoio aberto e público de Angola, Denis Sassou Nguessou derrubou o Presidente democraticamente eleito e há 26 anos ininterruptos que se mantem no poder.
Para “legitimar” o poder, Nguessou simula regularmente eleições presidenciais, as quais lhe dão, invariavelmente, esmagadoras sobre os adversários…
A longa permanência de Denis Sassou Nguessou no poder está estribada em sucessivos remendos constitucionais, que lhe esticam os mandatos.
Alterações constitucionais com propósito de prolongar mandatos presidenciais são uma das causas das constantes perturbações em África.
Em Angola, a indefinição do Presidente da República sobre um terceiro mandato não é aceite.
O Presidente João Lourenço é dos mais tenazes inimigos de golpes de Estado em África.
Em Maio deste ano, o jornalista Marc Perelman, do Canal France24, pediu ao Presidente da República sua opinião sobre golpes de Estado que se sucediam em países da África Ocidental.
A resposta foi: “É óbvio que os golpes de estado são condenáveis. Não se pode pensar sequer que os africanos estão satisfeitos com esta situação dos golpes de estado que estão a acontecer num número cada vez mais elevado, numa região muito bem identificada, na África Ocidental, onde pelo menos, três países já foram vítimas desse fenómeno: Burkina Faso, Mali e a Guiné. O continente tem de lutar contra esta tendência que parece estar a voltar.Como sabem, os golpes de estado eram bastante vulgares, na década de 1960. Imediatamente após as independências dos nossos países, houve um período longo em que a situação se estabilizou, porque houve um combate acérrimo, com a comunidade internacional a condenar de forma muito firme o surgimento de golpes de estado, mas ultimamente o fenómeno regressou. A União Africana, portanto, e as organizações regionais têm feito aquilo que está ao seu alcance, no sentido de reverter a situação e fazer com que a normalidade constitucional seja reposta nesses países.Há quem diga que não basta fazer conferências, não basta mandar delegações nesses países contactar as lideranças políticas que tomaram o poder pela força, ou União Africana ou organizações regionais deviam, talvez, mobilizar contingentes militares para desalojar essas novas lideranças. Isso deve ser visto com alguma cautela e não nos podemos limitar a dizer que a solução é esta. Em princípio cada caso é um caso”.
Não há, na longa resposta do Presidente da República, uma única tentativa de ir às causas do surto de golpes de Estado.
João Lourenço não associa os golpes de Estado à alterações constitucionais feitas à medida do cliente ou à eleições fraudulentas (como aquelas em que Sassou Nguessou, no Congo, e Ali Bongo, seu sobrinho por afinidade reclamavam vitórias folgadíssimas). O Presidente João Lourenço também não estabeleceu nenhum link entre a sucessão de golpes de Estado e a crescente miséria de África, em que as elites, como em Angola, se destacam cada vez mais do conjunto da população por via da pilhagem de recursos que deveriam servir a todos os cidadãos.
Nessa mesma entrevista, o Presidente João Lourenço não relaciona a debandada africana da França à decisões das emergentes lideranças do continente.
Segundo ele, a França está a abandonar a África por vontade própria.
“Não, a França não decidiu retirar-se dos países onde esteve. É que a partir de uma determinada altura, por razões que só eles podem explicar, entenderam que a presença já não era necessária. Nalguns casos limitavam-se a dizer que já não era necessária. Noutros casos, diziam mesmo que até era perniciosa”.
Com essa visão de África, com o Presidente João Lourenço a consultar-se com golpistas sobre como estancar o surto de golpes de Estado em África, não há “olhos abertos” nenhuns que nos prevenirão de surpresas.