Embora sempre lhe negasse a paternidade, nos 10 anos em que foi primeiro-ministro de Portugal (6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995), a imprensa lusa atribuiu a Cavaco Silva a afirmação segundo a qual “Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas”.
Se verdadeira ou não, a afirmação atribuída ao antigo governante português encontrou no actual Presidente de Angola um verdadeiro admirador e apaixonado imitador.
No dia 26 de Maio de 2022, na inauguração da nova sede da Comissão Nacional Eleitoral, o discípulo angolano de Cavaco Silva gabou-se: “nós tínhamos razão quando decidimos construir esta sede. Hoje temos aqui uma obra que nos enche de orgulho”.
Os segmentos mais lúcidos da sociedade angolana reprovaram a dinheirama (mais de 40 milhões de dólares) para transformar a antiga fábrica de gasosa num mastodonte para acolher uma entidade que trabalha sazonalmente.
Um ano antes, em Dezembro de 2021, João Lourenço não cabia em si de vaidade e orgulho na inauguração do Complexo Hospitalar Cardiopulmonar D. Alexandre Nascimento, outro empreendimento milionário, mas que até hoje não consegue justificar ao que “veio”. Pelo menos duas figuras públicas que procuraram os seus serviços saíram de lá em caixões.
Médicos e outros entendidos na matéria defendem que a aposta do Governo deveria incidir em hospitais terciários, mais próximos às populações e que lhes podem prestar os primeiros socorros.
Megalómano, o discípulo angolano de Cavaco Silva dá primazia a empreendimentos faraónicos.
Gigantes no tamanho, os serviços prestados por hospitais como Walter Strangway, do Bié, Geral, de Cabinda, e outros, colocam-nos ao nível de anões.
Mais de metade do equipamento do Complexo Hospitalar Cardiopulmonar D. Alexandre Nascimento está ocioso ou já canibalizado porque não há técnicos angolanos preparados para manuseá-lo.
A versão angolana de Cavaco Silva não só nunca se engana e raramente tem dúvidas, como reclama pioneirismo em quase tudo.

Se a história de Angola for reescrita pelo seu punho, João Lourenço fará constar nela que os angolanos só começaram a incomodar-se com fenómenos como corrupção ou nepotismo desde que ele ascendeu ao poder, em 2017.
É que, como ele frequentemente se gaba, antes dele “Nunca se combateu a corrupção! A corrupção só está a ser combatida agora no meu mandato”.
O discípulo de Cavaco Silva fingiu ignorar que antes sequer de ser cogitado para substituir o Presidente José Eduardo dos Santos, jornais privados como o Angolense, Agora, Semanário Angolense entre outros, publicavam semanalmente documentadas matérias sobre corrupção, envolvendo os principais dignitários de então regime. João Lourenço também fingiu ignorar que o jornalista e activista Rafael Marques apresentou à Procuradoria Geral da República inúmeras queixas contra altos responsáveis do Governo, Forças Armadas, MPLA e de outras estruturas por comprovado envolvimento em crimes de corrupção, suborno e pilhagem.
A reencarnação angolana do tuga a quem é colada a afirmação de que “nunca me engano e raramente tenho dúvidas” definiu, ouvindo apenas os seus botões, o formato e alvos do que designou como luta contra a corrupção e, também sozinho, estabeleceu os contornos do que chamou diplomacia económica, cujo objectivo seria a atracção de investimento estrangeiro a Angola.
Fracassou estrondosamente em ambas frentes.
Para persuadir estrangeiros a investirem no país, o angolano que “nunca” tem dúvidas, colocou à testa da maior parte das embaixadas angolanas titulares com pouca ou mesmo nenhuma preparação para o exercício de tão elevadas e exigentes funções. E para completar o puzzle, o “pioneiro” de tudo colocou no MIREX um ministro que transformou as embaixadas em centros de emprego, onde são preferencialmente abrigados angolanos com baixíssima instrução. A maioria mal soletra palavras em português e quase todos eles desconhecem a geografia do país. É com gente desse nível que o angolano que “raramente” tem dúvidas acreditou que seria possível comover investidores estrangeiros e persuadi-los a investir o seu dinheiro num país sem eira nem beira.
Surpreendido com a falta de investimento num país que classificou como “paraíso” terreno, o discípulo de Cavaco Silva derrama, desde sábado passado, a culpa “em alguns políticos da nossa praça que nunca quiseram o bem de Angola e dos angolanos” ou em vende-pátrias, que seriam todos os angolanos que vivam temporária ou definitivamente fora do país.
De acordo com o pioneiro de tudo, a quem falta muito pouco para reclamar o descobrimento de Angola, não são dignos de ser considerado filhos do país aqueles que degradam a sua imagem.
Já é tempo de alguém avisar o discípulo angolano de Cavaco Silva que os investidores estrangeiros não formam os seus juízos sobre Angola com base no que lhes é dito pelos mal preparados funcionários das nossas embaixadas.
Contrariamente ao que Angola faz, os países sérios dotam as suas embaixadas com quadros altamente qualificados. São esses os olhos e ouvidos dos investidores estrangeiros.
Entupir as embaixadas angolanas de bufos do SINSE não vai encorajar nenhum investidor.
Inseparável do autoritarismo, a instabilidade política nunca foi, em circunstância alguma, um “íman” ao investimento estrangeiro.
As embaixadas estrangeiras em Angola veem que Angola se aperfeiçoa no autoritarismo e é isso que reportam aos seus países e aos potenciais investidores.
O momento que Angola atravessa demonstra que até mesmo aqueles que se reclamam pioneiros de tudo e são discípulos de homens que pretensamente nunca se enganam e raramente têm dúvidas embateram contra rochas e só lhes sobra já a cantilena da culpabilização de “pacatos” cidadãos…
Contrariamente ao que Angola faz, os países sérios dotam as suas embaixadas com quadros altamente qualificados.
São esses os olhos e ouvidos dos investidores estrangeiros.